04 / 02 / 11

Todo dia é dia de índio

 

Quando europeus aqui chegaram feito nuvem faminta de gafanhotos a explorar pau-brasil, ouro em Minas e a sugar vampirescamente a seiva das seringueiras amazônicas, essas terras já eram habitadas pelos índios

Barbara Reiter

Quando europeus aqui chegaram feito nuvem faminta de gafanhotos a explorar pau-brasil, ouro em Minas e a sugar vampirescamente a seiva das seringueiras amazônicas, essas terras já eram habitadas pelos índios do Oiapoque ao Chuí (duas palavras indígenas). Afirmar que os bandeirantes eram heróis é se render ao trabalho bem feito de marketing em cima de genocidas com furor no chakra genésico. Para a colonização tropical, vieram inicialmente de além do oceano apenas homens. Com eles os vícios, as mazelas, a violência. O processo “civilizatório” foi feito abaixo de uma ferocidade sem par. Foi serviço de branco: mata na entrada ou catequisa na saída, tingido com as cores cruéis do sangue das etnias dominadas dos nativos sobreviventes submetidos ao cativeiro. A realidade passou longe da glamourização da Pocahontas ou da Estrela Karuê.

Recentes fotos tiradas pela Funai próximas à fronteira do Peru e divulgadas pela Survival International mostram uma comunidade saudável e próspera de índios no Acre, de tribos ainda não maculadas pela dita civilização. São raros, os que ainda vivem em comunhão com a floresta, como viviam os seis milhões de brasileiros originais dessa terra antes de invadirmos sua praia. O grande desafio é manter essa terra isenta de interferência externa. Os madeireiros ilegais são uma ameaça real de destruição desses índios, como sempre os descendentes de europeus foram. Não podemos permitir que tenham o mesmo final que uma multidão invisível e muda, nos túmulos e desovas nas florestas de mais de cinco séculos de genocídio.

Mudando de tribo, todos os anos os Kaingang aparecem por Santa Catarina e ficam pelas ruas a oferecer seus coloridos artesanatos enquanto os filhos roem biscoitos feitos de farináceos recheados de gordura vegetal hidrogenada num calorão de Saara. Para a maioria da população são invisíveis ou mal-vindos. Como se enfeiassem as calçadas e a paisagem pela sua pobreza explícita. Seus filhos de barriguinha inchada de verminose contrastam com os olhos azuis angelicais dos filhos de herdeiros dos europeus. São tidos pelos não-índios como um problema social que gostariam de varrer para baixo do tapete. Enterrados, como foram seus ancestrais. O mesmo discurso do período colonial dos que se autodenominam civilizados.

Com um grupo de amigos e voluntários espíritas que os vê como seres humanos que são, fomos levar alimentos, roupas e brinquedos ao seu acampamento e aproveitamos para conversar sobre quem são, como chegaram a essa situação e seus objetivos. Veja bem: não pediram nada, fomos voluntariamente.

Os Kaingang em Iraí erguem-se em busca de seus direitos. Não-índios dizem que invadiram o aeroporto da cidade, mas esse havia sido construído de forma irregular sobre território indígena. Isso ainda é causa de mágoa dos citadinos para com os índios, pois acreditavam que o aeroporto seria uma alavanca ao turismo.

Originalmente são seminômades, mas vivem nas reservas, verdadeiros confinamentos humanos, étnicos. Suas terras foram tomadas sistematicamente, confinando-os a espaços cada vez menores, até sobrar muito pouco. Lá são tratados pela comunidade local como descendentes ou remanescentes de índios, fósseis vivos, o que infere em seu status jurídico. O ensino escolar regular da História do Brasil afirma que não há mais índios. São estereotipados de indomáveis e preguiçosos a ingênuos e puros.

Na reserva seus filhos estudam na sua língua nativa nos primeiros anos escolares. Posteriormente, em português. Durante o ano escolar dos filhos os pais produzem artesanato, uma vez que sua agricultura de subsistência foi desestimulada após o contato com a sociedade dominante que impôs a monocultura de soja. Com seus territórios invadidos e confiscados, foram confinados nas terras na condição de tutelados. Mas possuem o atavismo nômade e voltaram a fazer seus deslocamentos cíclicos para vender seu artesanato nas férias escolares, agora fora das reservas. O artesanato não é apenas a principal fonte de renda deles, mas também estabelece uma série de relações entre índios e brancos.

Antes, a Mãe Terra fornecia alimentos, frutas, tinham uma alimentação mais sadia, natureba, faziam do uso da medicina natural, tinham parteiras e xamãs. Mas o modelo capitalista imposto pelos órgãos do governo não respeitou sementes, medicamentos fitoterápicos. Levaram remédios, anticoncepcionais. Os órgãos governamentais queriam excluir os saberes tradicionais dos indígenas.

Cada agrupamento familiar possui pelo menos um fogo de chão ao lado de fora da casa, local onde recebem seus visitantes, conversam e consomem erva-mate.

Sem discriminar ninguém, sem previlégios, o Estado deve garantir e promover a cidadania, proteção e condições sociais a todos. Esses índios que vivem entre nós estão em processo de evolução e estão sendo incluídos e integrados gradativamente a sociedade. Precisam ter suas necessidades assistidas, direito ao estudo e ao trabalho honesto para sustento próprio e de sua família. Enfim, os índios como todos os brasileiros merecem o melhor. Conflitos existem, não se pode negar. Os brasileiros de todas as etnias, cores de pele têm direitos e deveres. Devem respeitar a lei e serem imputáveis de acordo com seu grau de evolução e entendimento.

Barbara Reiter

Barbara Reiter mora em Santa Catarina, na cidade Balneário Camboriú. Diretora de Turismo da ABIME, apresentadora do programa de TV ELA É BÁRBARA, no canal Brava 7 de Santa Catarina, filmmaker autodidata dos Diários de Viagem e autora do livro O Poder Feminino - Matrix Editora. Em seu blog fala sobre viagens, moda, beleza, comportamento, gastronomia, nutrição, auto-estima, metafísica e o que mais lhe der na telha.

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