19 / 07 / 11

O Brasil verá, em outubro, o Blues de Eric Clapton

Fotos: divulgação

Olá, amigos leitores!

O Brasil pode ir se preparando, e os amantes e fãs do Blues, especialmente os guitarristas, poderão ficar de plantão, porque em outubro chega ao Brasil a turnê de Eric Clapton. Serão apenas três apresentações de Clapton e seu grupo, a começar pelo Rio de Janeiro dia 9, na HSBC Arena, além de apresentações em Porto Alegre, dia 6, e em São Paulo, dia 12.

Mr. Clapton

Mr. Clapton

Para quem pensa em ver um Eric Clapton totalmente voltado para o Rock, estilo que o consagrou nos tempos do “Cream” e que levou a juventude britânica e os críticos musicais da época a chamarem-no de “Deus da Guitarra”, verão um Clapton bem mais intimista e voltado para o Blues. Com o show com uma atmosfera que mais se parece com um recital, sem grandiosos cenários (que dominam as produções mundiais hoje em dia), e em que o cardápio principal será o Blues, sua guitarra e uma banda afiadíssima. Para quem gosta de Blues e conhece bem o trabalho deste genial guitarrista, e quer realmente prestar a atenção em uma música de altíssima qualidade, não haverá melhor oportunidade do que estes três shows. Penso que serão três noites raras de muito boa música, já que Clapton, com seus 66 anos de idade, ou seja, perto de completar 70 anos, está tocando sua guitarra melhor do que nunca nessa turnê.

Nascido Eric Patrick Clapton em 30 de março de 1945, sua música sempre teve ligada ao Blues do Mississipi. Clapton nasceu em Ripley, na Inglaterra, e sua mãe era solteira e o teve com 16 anos de idade. Foi criado pela avó e pelo marido desta, acreditando que eles eram seus pais e que sua mãe era sua irmã mais velha. Descobriu a verdade aos 9 anos de idade, e essa revelação foi um momento muito marcante em sua vida. Depois disso, ele deixou de se aplicar na escola e se tornou um garoto calado, tímido, solitário e distante de sua família. Desde então, música era o que mais o refugiava e distraía das angústias da realidade. Era uma paixão que, no decorrer dos anos, fora passando a ser parte considerável de sua vida.

Seu primeiro emprego foi como carteiro e, aos 13 anos de idade, por insistência, ganhou seu primeiro violão de sua avó, Rose. Apesar da dificuldade inicial de aprender a tocar o instrumento, quase desistindo, acabou se esforçando para tocar os primeiros acordes influenciado por canções antigas do Blues que vinha da América, e que tentava reproduzir. Com um pequeno gravador, Eric se empenhava em reproduzir músicas de Blues que gostava, até achar que estivesse tocando igual aos artistas originais, o que fora o ajudando a desenvolver sua técnica. Em pouco tempo, já dedicava horas diárias ao aprendizado, e foi conseguindo dominar o instrumento.

Em 1963, passou a integrar a banda Yardbirds, que começava a fazer sucesso na Grã-Bretanha. O empresário da banda e grande entusiasta do Blues chamava-se Giorgio Gomelsky. Giorgio tinha aberto um lugar chamado CrawDaddy Club, no velho Station Hotel, em Richmond. A banda que se apresentava o local nas noites de domingo era a recém-formada Rolling Stones. Lá, Eric conheceu Mick, Keith e Brian em seu período de gestação, quando tocavam apenas R&B. Entrou na banda Yardbirds depois de ser alertado por seu então amigo Keith Richards, do Rolling Stones, de que o guitarrista Topham estava prestes a desistir da banda. Com o passar do tempo, os Yardbirds foram alternando seu estilo para o ritmo Pop, o que desagradava a Eric. Sendo assim, fiel às suas raízes no Blues, recusou-se a seguir a direção escolhida pelo grupo, e acabou saindo em março de 1965. Após a saída de Clapton, a banda ainda teria mais 2 grandes guitarristas como integrantes, sendo o primeiro Jeff Beck, e depois Jimmy Page. Depois de um tempo em empregos temporários, Eric entrou para a John Mayall & the Bluesbreakers. Logo após sua saída da banda de John Mayal, Clapton fundou o Power Trio Cream, com Jack Bruce no baixo e Ginger Baker na bateria. Embora o Cream seja apresentado como um dos melhores grupos de sua geração, a banda teve vida curta. As lendárias brigas internas – especialmente entre Bruce e Baker -, aumentaram a tensão entre os três integrantes, levando ao fim do trio. Outro fator significante foi uma crítica pesada da revista Rolling Stones de um dos shows do Cream, o que afetou Clapton profundamente.

Cream, da esquerda para a direita: Jack Bruce, Ginger Baker e Eric Clapton, em 1967

Cream, da esquerda para a direita: Jack Bruce, Ginger Baker e Eric Clapton, em 1967

“Goodbye”, álbum de despedida da banda, apresentava faixas ao vivo gravadas no Royal Albert Hall, assim como a versão de estúdio de “Badge”, composta por Eric e George Harrison.

A amizade próxima dos dois resultou na performance de Clapton em “While My Guitar Gently Weeps”, lançada no “White Album” dos Beatles. Ao acompanhar de perto o sofrimento da esposa de Harrison, Pattie Boyd, que vivia abandonada em razão do interesse do marido pela cultura hindu, Eric acabou se apaixonando por ela. E o sofrimento por amar a mulher de seu melhor amigo o inspiraria a compor uma das suas canções mais conhecidas: “Layla”.

Uma segunda participação em outro super grupo, o Blind Faith (1969), com Baker, Stevie Winwood e Rick Grech, resultou em um álbum estupendo e uma turnê norte-americana financeiramente proveitosa. Já aí Clapton estava cansado de sua fama e do burburinho que cercava o Cream e o Blind Faith, além de ter ficado profundamente afetado pela música do The Band, com o qual de fato ele já havia pedido para se juntar depois do fim do Cream. Clapton então decidiu ficar um pouco nas sombras, e passou a viajar em turnê como convidado do grupo americano Delaney & Bonnie and Friends. Ele tornou-se amigo íntimo de Delaney Bramlett, que o encorajou a voltar a compor e a cantar.

Eric Clapton (esquerda), Delaney Bramlett (centro) e Bonnie Bramlett

Eric Clapton (esquerda), Delaney Bramlett (centro) e Bonnie Bramlett

Usando a banda de apoio de Bramlett e um elenco estelar de músicos de estúdio, Clapton lançou seu primeiro disco solo em 1970, que trazia uma de suas melhores composições: “Let It Rain”.

Apropriando-se da seção rítmica do Delaney & Bonnie – Bobby Whitlock (teclado, vocais), Carl Radle (baixo) e Jim Gordon (bateria) –, ele formou uma nova banda com a intenção de contrastar com o culto de “estrelismo” que crescera a sua volta e mostrar Clapton como um integrante no mesmo patamar dos demais. Isso se tornou ainda mais evidente com a escolha do nome – Derek and the Dominos, que veio de uma piada nos bastidores do primeiro show da banda.

Trabalhando no Criterion Studios em Miami com o produtor Tom Dowd, a banda gravou um brilhante álbum duplo, hoje em dia considerado como a obra-prima de Clapton: “Layla and Other Assorted Love Songs”. A maioria do material, incluindo a faixa-título, foram inspirados pelo conto árabe Majnun e Layla, e mostravam o grande amor não declarado de Clapton por Pattie Harrison. “Layla” foi gravada em duas sessões distintas; a seção de abertura na guitarra foi gravada primeiro, e para a segunda, o baterista Jim Gordon compôs e tocou o elegante trecho ao piano.

Mas a tragédia marcou o grupo durante sua breve carreira. Durante as sessões, Clapton ficou devastado com a notícia da morte de Jimi Hendrix, e a banda gravou uma versão tocante de “Little Wing” como um tributo a ele, adicionando-a ao álbum. Um ano depois, Duane Allman morreu em um acidente de motocicleta. Contribuindo mais para o sofrimento de Clapton, o álbum “Layla” receberia somente algumas poucas críticas neutras quando de seu lançamento.

Jimi Hendrix (esquerda) foi um grande amigo de Eric Clapton

Jimi Hendrix (esquerda) foi um grande amigo de Eric Clapton

Por incrível que pareça, e por maior sucesso que Clapton acumule em sua vitoriosa carreira, sua vida sempre foi marcada por tragédias entre amigos, como as contada aqui, até tragédias pessoais, como o tempo que Clapton ficou completamente dependente do álcool, da cocaína e da heroína, suas turnês eram regadas a orgias de álcool e drogas pesadíssimas, o que o levou a várias internações em clínicas para desintoxicação. No começo dos anos 1990, a tragédia voltaria a atormentar a vida de Clapton em duas ocasiões. No dia 27 de agosto de 1990, seu grande amigo e guitarrista Stevie Ray Vaughan (que estava em turnê com Eric) e dois membros de sua equipe de apoio morreram em um acidente de helicóptero. No ano seguinte, em 29 de março de 1991, Conor, filho de quatro anos de Clapton com a modelo Italiana Lori Del Santo, morreu depois de cair da janela de um apartamento. Um instantâneo da dor de Clapton pôde ser visto com a canção “Tears in Hevean”, “My Father’s Eyes” (Pilgrim, 1998) e “Circus Left Town” (Pilgrim, 1998).

Bem, amigos, muitas histórias foram feitas, vividas e contadas nesse tempo todo de uma carreira brilhante, apesar de toda essa “nuvem negra” que cercou a vida de Eric Clapton, mas o que vemos hoje, e de muito tempo para cá, é um guitarrista espetacular, centrado em sua música, vencedor da guerra contra as drogas, transformando essa dor em música, e uma música muito rica, com um vocabulário muito bem construído, com sua base forte do Blues. Essa preocupação com o Blues, de deixá-lo falar mais alto e de ser o cardápio principal da atual turnê, ficou bem claro nas 11 apresentações que Clapton fez no final de maio, praticamente na sala de sua casa, o Royal Albert Hall, em Londres; Clapton e sua incrível banda desfilaram quase duas horas de um recital imaginário maravilhoso, que mostra nitidamente sua preocupação com o público na maneira em que monta seu repertório, sem grandes mudanças nesses últimos anos. Mas algumas mudanças foram necessárias, por exemplo: estão de fora a já citada e linda, mas triste, balada, “Tears in Heaven”, ou o clássico e megasucesso “Change the World”. Se não tiver mudanças radicais para a temporada brasileira, estarão no repertório clássicos do Blues que tanto encantam a carreira desse guitarrista, como tanto fez por colegas de profissão. B.B. King é um deles, e o chama carinhosamente de “Garoto Branco”, como forma de agradecimento pelo fato de Clapton tê-lo tirado do ostracismo, num dos filmes mais emocionantes da série de documentários lançada na década passada pelo cineasta Martin Scorsese.

A amizade de Eric e B.B. King resultou no álbum "Riding with the King", de 2000

A amizade de Eric e B.B. King resultou no álbum "Riding with the King", de 2000

Outra coisa que vocês poderão perceber é que Clapton está mais contido nos solos, evitando de torná-los longos demais em seus improvisos, com muito mais espaço para os dois tecladistas que o apóiam, Chris Station e Tim Carmon, que ficam bem expostos aos holofotes e se saem muito bem em suas funções. São super tecladistas. A banda que Clapton trará deve ser a mesma que se apresentou no Royal Albert Hall em Londres, e conta com os backings vocals de Sharon White e Michelle John. Entre os velhos companheiros do guitarrista, está o virtuoso e excelente baterista (quem não gostaria de ter um baterista como ele em sua banda?) Steve Gadd, além do baixista Willie Weeks, que cuidam muito bem dos andamentos das músicas, tornando, assim, a cozinha perfeita. É facilmente percebida a redução em andamentos nas músicas, mas isso é apenas um detalhe, e sinceramente, torna o show, para quem quer realmente assisti-lo, um verdadeiro e espetacular clima de recital.

Estão também no repertório o clássico “Hoochie Coochie Man”, o Blues mais famoso do repertório do mestre do Muddy Waters, e as belíssimas “Old Love” e “Badge”, da época do Cream. “Wonderful Tonight” também está lá, e como não poderia faltar, mesmo sendo em uma versão mais para o acústico, a tão famosa “Layla”, “Cocaine”, e uma versão mais light de “Crossroads”, estão programadas para fechar o show, para a felicidade de seu público mais fiel.

Bem, amigos, esta será a terceira passagem de Clapton pelo Brasil. Para os fãs de sua música incrível, aqui vai um pouco de sua arte. E para os amigos que apreciam uma música de qualidade e querem ver uma lenda da guitarra, é só fazerem planos e esperar outubro chegar.

Beijos, abraços, e até a próxima.
Beto Saroldi

Beto Saroldi - Rio de Janeiro/RJ

Saxofonista, compositor e produtor musical, começou sua carreira em 1975 com Eduardo Dusek e desde cedo foi muito requisitado nos estúdios, gravando com Fafá de Belém, Zizi Possi, Capital Inicial, Barão Vermelho, Gilberto Gil, Toquinho, Lulu Santos e muitos outros astros da MPB. Fez parceria com Erasmo e Roberto Carlos, tocou com Wagner Tiso & Lô Borges e ainda pertenceu a "UmBandaUm" de Gilberto Gil, fazendo turnês pelo Brasil, EUA, Europa, América Central e Oriente Médio.

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