22 / 10 / 14

A evolução do sistema punitivo brasileiro

São vinte e seis anos (1988-2014) de aplicação de pena no que concerne humanidade do aparelhamento punitivo brasileiro, sabemos que essa conquista histórica, democrática, constitucional, institucional e penal advém de um histórico cruel, abusivo e desumano. Cesare Beccaria nos descreve no seu livro “Dos delitos e Das penas” o quanto a punição sem a reeducação é maléfica a todo o sistema. A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível (…). O seu fim (…) é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo.

Esse escrito visa toda uma ordem cronológica e fática narrativa das punições até se tornarem penas. Serão abordados Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República e as facetas do Brasil ditatorial. Uma nação e uma variedade de mudanças e punições drásticas. Brasil colônia (1500-1815), anteriormente a chegada dos portugueses, na primitiva civilização brasileira adotava-se a vingança privada, sem qualquer uniformidade nas reações penais. A partir do descobrimento do Brasil em 1500, passou a vigorar em nossas terras o Direito Lusitano. Na realidade, havia uma inflação de leis e decretos reais destinados a solucionar casuísmos da nova colônia; acrescidos dos poderes que eram conferidos com as cartas de coação, criavam uma realidade jurídica muito particular. O arbítrio dos donatários, na prática, é que estatuía o Direito a ser aplicado, e, como cada um tinha um critério próprio, era catastrófico o regime jurídico do Brasil Colônia. Formalmente, a lei penal que deveria ser aplicada no Brasil, naquela época, era a contida nos 143 títulos do livro V das Ordenações Filipinas, promulgadas por Filipe II, em 1603. Orientava-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições. Além do predomínio da pena capital, utilizava outras sanções cruéis, como o açoite, amputação de membros, as galés, degredo etc. Não se adotava o princípio da legalidade, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção aplicável. Esta rigorosa legislação regeu a vida brasileira por mais de dois séculos. O código Filipino traziam penas como: morte simples ( sem tortura ) ,  morte natural ( forca ) ,morte para sempre ( com exposição do cadáver exposto na forca )morte atroz ( com cadáver esquartejado ) e   morte cruel (com tortura prévia) .  Exemplos dessas penas cruéis encontram-se no Brasil Colônia: O julgamento de Tiradentes , acusado pelo crime de lesa majestade. Declarado culpado, foi enforcado, esquartejado, tendo seus membros fincados em postes advertindo ao povo sobre a gravidade dos atos de conspiração.

Decorrido todo esse período e proclamada a independência do Brasil, em 1822, o manto liberal e constitucionalista que cobriu este movimento fez-se notar, como seria de se esperar, na Constituição de 1824. Em seu artigo 179, a Carta alterou algumas matérias penais contidas nas Ordenações Filipinas, abolindo a pena de morte, as torturas, os açoites, extensão da infâmia do réu para a sua família e estabeleceu a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Contudo, essas foram as únicas mudanças na legislação penal no imediato pós-independência, haja vista que o Livro V das Ordenações Filipinas – leis penais portuguesas, datadas do início do século XVII – continuaram vigorando até 1830, quando foi promulgado o Código Criminal do Império, que anulava a legislação penal colonial e mudava as concepções de crimes e penas no Brasil. Porém, apesar do humanismo que permeava este diploma legal, a pena capital (pena de morte) voltava a ser admitida legalmente no país.“Escravos, como se conterão sem a morte? Como abolir-se a pena de morte enquanto houver escravos? Em tal caso padeça a associação dos livres, a quem pertence a constituição, por causa dos escravos, desses entes miseráveis. Mas a pena de morte nunca foi terrível senão a quem teve em vista gozar os bens sociais; nos tormentos, até os entes de melhor razão têm confessado o crime (não digo bem, por que confissão supõe que existiu o ato vedado); tem-se o homem muitas vezes atribuído a si o crime que não cometeu, para acabar com a vida, sofrendo uma só vez; por não sofrer mais sucessivamente atormentado.”

A Proclamação da República Brasileira foi um levante políticomilitar ocorrido em 15 de novembro de 1889 (República Velha) que instaurou a forma republicana federativa presidencialista de governo no Brasil, derrubando a monarquia constitucional parlamentarista do Império do Brasil e, por conseguinte, pondo fim à soberania do imperador D. Pedro II. Foi, então, proclamada a República do Brasil. Não podemos deslembrar que essa época foi marcada pelas atrocidades coronelistas da época que visavam: Utilizando das armas e soldados que tinha à sua disposição, um coronel poderia perseguir os seus inimigos políticos ou impor seus interesses à população local. Na passagem do Império para a República, o poder político do coronel foi ampliado com a proteção e as oportunidades de trabalho oferecidas por esses grandes proprietários. Dessa forma, os camponeses e trabalhadores livres de uma região viam.

Imagem Internet

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Afrontar o interesse econômico e político de um coronel poderia significar a exposição do indivíduo ao mais amplo leque de punições, que poderiam ir da perda do trabalho ao homicídio. Com isso, ao dominar os moradores de uma região pela força do dinheiro e das armas, o coronel estabelecia um “curral eleitoral” subordinado às suas decisões no tempo das eleições. Nessa época, o coronel indicava qual o candidato cada um de seus “apadrinhados” deveria votar.

Com o golpe e ascensão de Vargas ao pode em 1930, o preço pago pela luta para uma democracia ultrapassou as penas e instituíram-se as torturas, eram de diversas formas, a morte não os visitavam de maneira rápida, era uma lentidão para o sofrimento até resultado morte. Organizavam-se em:

 Pau-de-Arara =  consistia numa barra de ferro que era atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o conjunto colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 centímetros do solo. Este método quase nunca era utilizado isoladamente, seus complementos normais eram eletrochoques, a palmatória e o afogamento.

Choque Elétrico =  foi um dos métodos de tortura mais cruéis e largamente utilizados durante o regime militar. Geralmente, o choque dado através telefone de campanha do exército que possuía dois fios longos que eram ligados ao cor­po nu, normalmente nas partes sexuais, além dos ouvidos, dentes, língua e dedos. O acusado recebia descargas sucessivas, a ponto de cair no chão.

Pimentinha = era uma máquina que era constituída de uma caixa de madeira que, no seu interior, tinha um ímã permanente, no campo do qual girava um rotor combinado, de cujos termi­nais uma escova recolhia corrente elétrica que era conduzida através de fios. Essa máquina dava choques em torno de 100 volts no acusado.

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Afogamento = os torturadores fechavam as narinas do preso e colocavam uma mangueira, toalha molhada ou tubo de borracha dentro da boca do acusado para obrigá-lo a engolir água. Outro método era mergulhar a cabeça do torturado num balde, tanque ou tambor cheio de água (ou até fezes), forçando sua nuca para baixo até o limite do afogamento.

Cadeira do dragão = era uma espécie de cadeira elétrica, onde os presos sentavam pelados numa cadeira revestida de zinco ligada a terminais elétricos. Quando o aparelho era ligado na eletricidade, o zinco transmitia choques a todo o corpo. Muitas vezes, os torturadores enfiavam na cabeça da vítima um balde de metal, onde também eram aplicados choques.

Geladeira = os presos ficavam pelados numa cela baixa e pequena, que os impedia de ficar de pé. Depois, os torturadores alternavam um sistema de refrigeração superfrio e um sistema de aquecimento que produzia calor insuportável, enquanto alto-falantes emitiam sons irritantes. Os presos ficavam na “geladeira” por vários dias, sem água ou comida.

Palmatória = era como uma raquete de madeira, bem pesada. Geralmente, esta instrumento era utilizado em conjunto com outras formas de tortura, com o objetivo de aumentar o sofrimento do acusado. Com a palmatória, as vítimas eram agredidas em várias partes do corpo, principalmente em seus órgãos genitais

Produtos químicos =  eram comprovadamente utilizados como método de tortura. Para fazer o acusado confessar, era aplicado soro de pentatotal, substância que fazia a pessoa falar, em estado de sonolência. Em alguns casos, ácido era jogado no rosto da vítima, o que podia causar inchaço ou mesmo deformação permanente.

Tortura psicológica = De certa forma, falar de Tortura Psicológica é redundância, considerando que todo o tipo de tortura deixa marcas emocionais que podem durar a vida inteira. Porém, haviam formas de tortura que tinha o objetivo específico de provocar o medo, como ameaças e perseguições que geravam duplo efeito: fazer a vítima calar ou delatar conhecidos.

Hoje há apenas três tipos de penas, as privativas de Liberdade, sendo esta o detentor da forma de punir, ou seja, pune aqueles que violam as regras sócias. Entretanto existem duas espécies de penas privativas de liberdade que são a de reclusão e detenção.  A reclusão deve ser comprida em regime fechado, semi-aberto e aberto, e para a pena de detenção deve ser comprida em regime semi-aberto e aberto.  Com base as penas privativas de liberdade mencionadas anteriormente existe uma diferencia entre a restritiva de direito, ou seja, elas são autônomas, não pode ser cumuladas com a privativa de liberdade,  a mesma também não pode ser suspensas e nem substituídas. As penas restritivas de direito tem exceções em caso de substituição, ou seja, as penas privativas de liberdade pode ser substituídas por restritivas quando a condenação do réu não ultrapassar os 4 anos.  Por fim temos a pena de multa sendo esta estabelecida pelo Código Penal, correspondente ao pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, sendo, no mínimo, de dez e, no máximo, de 360 dias-multa.

Quantas barbaridades! As penas de morte, as torturas, a violação  dos direitos humanos foram vedadas, temos um Brasil límpido que garantiu a dignidade da pessoa humana por via constitucional em 1988, na verdade podemos separar a nossa legislação em duas grandes fases (1500-1985) e (1988 até os dias atuais), direitos adquiridos como rege o quinto artigo da nossa vigente constituição:

XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

E os brasileiros ainda visam alguns retrocessos por vias de justiça com as próprias mãos, ao retrocesso do período coronelista, ditatorial, esquecendo-os que não são dignos de julgar, condenar, não são eles a força punitiva estatal, nem preparo em parte geral os temos, mas que a dignidade prevaleça, que a verdade nos guie e que o retrocesso punitivo fique contido apenas nas velhas paginas dos livros de história e das doutrinas penais.

Elisama Viana - Maceió/AL.

Acadêmica do curso de Direito pelo Centro Universitário Cesmac, vivencia o Direito por um andamento mais zetético, buscando explicações em sua Filosofia, Historia e Sociologia, atualmente em um projeto de pesquisa com seguinte temática: “Direito ensinando a cidadania”; blogueira no site Estação Alagoas, contemplada para estudar a língua francesa pelo Centro Universitário Cesmac, e tomou para si a lide em defesa da Mulher, “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”. (Simone de Beauvoir).

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