13 / 02 / 21

Saudosa reflexão de Nadja para seu amor Ronald

Perdi o meu primeiro, único e grande amor. Conversávamos sempre e ele dizia que partiria primeiro, penalizado por me deixar só

 

Saudosa reflexão de Nadja para seu amor Ronald

Saudosa reflexão de Nadja para seu amor Ronald
Por Nadja de Mendonça*

Um amor que teve início ainda no cursinho de química do Zé Gonçalves, mestre e amigo, depois pediatra da nossa primeira filha Lavínea. Ronald sempre repetia que se esforçara mais ainda para passar no vestibular, por achar que eu “era vaga garantida”, portanto seria sua única chance de começarmos a nossa história de amor. Era questão de honra! Resultado? Ele fora aprovado em 1º lugar no vestibular de medicina da UFAL de 1966. Cursamos juntos, apaixonados. Difícil foi resistir à “tentação da carne”, como ele dizia.

Em 1969, casamos ainda estudantes de medicina. Sem condições financeiras, meu saudoso sogro nos ofereceu morarmos todos juntos no casarão em Bebedouro. Lá fui acolhida com generosidade e carinho também por minha querida e inesquecível sogra Dona Rosinha. Dois anos depois, em 1971, nasceu nossa primeira e muito desejada filha (e como foi desejada!), a graciosa, inteligente e amada, Lavínea. Neste mesmo ano fomos nos especializar em São Paulo, onde vivemos 4 anos, em seguida mais um ano de especialização no Rio de Janeiro. Tempos de boas lembranças…

A formação médica nos exigia muita dedicação, plantões e noites de estudos intensas. Nesse período, tivemos a ajuda fundamental da minha querida irmã Keila e o indispensável suporte financeiro da Clínica. Sucederam-se os concursos públicos, eu para psiquiatra do estado de São Paulo, depois para o Estado do Rio de Janeiro e Ronald além de residente do Hospital do Servidor do Estado, foi aprovado para Neurologista da Secretaria de Saúde de São Paulo, também para Neurocirurgião do próprio Hospital do Servidor e para Neurologista do Ministério da Saúde, com distinção do primeiro lugar. Juntos estávamos construindo a nossa independência.

Em 1977, após terminarmos a nossa formação, retornamos à Maceió e iniciamos a carreira profissional. Eu, grávida do Roninho, nosso segundo filho amado e mais que desejado, com muita luta para concebê-lo. Nessa altura, fomos aprovados para o concurso do Ministério da Saúde. Para além dessa aprovação o Ronald também foi aprovado para o concurso de professor adjunto de Neurologia da UFAL. Logo depois, a aprovação seria para professor da Escola de Ciências Médicas de Alagoas. Ronald tinha verdadeira paixão pelo Magistério, somente comparável à adoração que nutria pela neurocirurgia. A Santa Casa de Maceió, foi até seus últimos dias o segundo lar, sendo o centro cirúrgico alcunhado por ele de “templo sagrado, em estado de puro deleite”.

O Bloco cirúrgico fora muitas vezes, testemunha muda e cúmplice de feitos somente compartilhados por ele, seus pacientes, e a gratidão das famílias agraciadas com a cura de seus entes.

Nos idos de 1980, fomos surpreendidos pela gravidez do nosso Benjamim, o Duda, garantia da nossa imortalidade, e da perenidade da família. A Bruna, nossa nora querida, filha do coração e mãe dos nossos mais valiosos tesouros, nossos Querubins: Caio e Maria Clara. Completou-se o nosso oásis em meio àquele tórrido deserto da nossa existência. Com eles renascemos e reinventamos a vida, seguindo em frente, ressignificando a nossa história.

Eu e Ronald, na nossa história quase sexagenária, fomos cúmplices de muitas alegrias, também de duras tempestades. Quase naufragamos em 1999, com a perda abrupta e cruel dos nossos dois filhos mais velhos, Roninho e Lau. Ronald, naquele momento, sequer teve tempo de elaborar a morte do seu amado pai, falecido 12 dias antes dos nossos filhos.

Achava-se “preso ao passado” em um luto, improvável e impossível. Começou a escrever crônicas catárticas e tórridas, sobre a morte cruel dos filhos, ao tempo em que discorria acerca do legado do amado pai. Denunciava os culpados a todo tempo, sem perder o foco na luta pela vida de forma aguerrida, trabalhando à exaustão até o fim de cada jornada.

Tocamos o barco em frente. Não baixamos as nossas armas. Ronald empreendeu novas conquistas, foi eleito para SOBRAMES, para Academia Alagoana de Medicina, e imortal da Academia Alagoana de Letras. Publicou livros, centenas de crônicas na Gazeta de Alagoas, foi congratulado com o título de cidadão Arapiraquense e da Barra de São Miguel, dentre outras honrarias.

Meu marido foi um gigante, que sucumbiu apenas ao vírus da morte. Ainda na UTI da Santa da Casa, foi-lhe perguntado o que estava sentindo:- Respondeu que sentia “medo, muito medo”. E assim foi entubado, e levado para São Paulo na tentativa de ter maiores chances de viver.

Lutou até o fim. Ele não queria ir embora! Mas a morte não perdoa! Parafraseando Lia Luft “ estamos todos na fila, quantos à nossa frente não se sabe, não dá para voltar ao fim da fila, muito menos dela sair”. O nosso tempo aqui na terra é inexorável.

Vivi com ele toda a sua “via crucis”, na batalha pela vida. Em nenhum momento perdi a esperança no milagre de DEUS!
40 dias, sofri o sofrimento do Ronald, numa luta incessante para se manter entre nós.
Houve momentos de recompensa! Quando ele acordou, tínhamos fé na recuperação. Víamos todo o seu esforço, exercitando as pernas continuamente, apertando nossas mãos, sorria e nos beijava. Durante alguns dias chegou até a falar. Assim que abriu os olhos, após mais de trinta dias sedado, indagou acerca das medicações, como havia ido parar ali e qual era o seu prognóstico, demonstrando que, apesar de todas as mazelas causadas por essa doença, sua capacidade de raciocínio estava preservada naquele instante. Foi aí que tomou conhecimento que foi por iniciativa de seu Irmão Zé Filho, e aos cuidados amorosos e diligentes do sobrinho Gustavo. Foram rotineiras demonstrações de carinho, troca de afetos com nosso Duda, nossos netos, a filha Bú e com seus irmãos, por LIVE e ligações. Definitivamente, meu marido se recusava a partir. Numa corrente de orações e súplicas, na hora derradeira a família unida em um abraço simbólico despedia-se. Sublime momento de cruciante dor, vivido por nós, junto a nosso filho Duda, nossa filha Bruna, a irmã Rosaline e ao sobrinho Rodrigo.

Era mais uma ironia do destino, ter que partir de São Paulo para a eternidade, lugar que dizia ter sido “ sua espécie de Meca que o tornara solo fértil para produzir bons frutos e curar seus pacientes”.

Digo agora com Vinícius de Moraes no Soneto de Separação:
“De repente, não mais que de repente fez-se triste o que se fez amante e de sozinho o que se fez contente.”
E ainda com Vinicius repito:
“Amo-te, enfim, com grande liberdade. Dentro da eternidade e a cada instante.”
Até breve meu Amor!

Saudosa reflexão de Nadja para seu amor Ronald
*Esposa de Ronald

Gigi Accioly

Holofote @gigiaccioly - Jornalista (MTB 1468AL), colunista social do Jornal Primeira Edição (impresso/online); Assessora da Tehron - Núcleo de Comunicação; Realiza assessoria de imprensa e marketing; É cerimonialista e mestre de cerimônias; Editora-chefe e colunista da Revista Evidência Cosmopolita (Impressa), 1999/2015, AL; Colunista e editora da revista evidencia.com (EVDCIA on line); ex-apresentadora de TV, "Programa Gente em Evidência" exibido pela TV EVDCIA, TV Alagoas (SBT) e TV Mar; publicitária. Membro do Grupo Literário Alagoano (GLA); Ex-membro da ALANE/AL - Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro (Núcleo Alagoas); Comendadora (Comenda Professor Doutor Sebastião Palmeira (instituída pela Academia Maceioense de Letras). Diretora Regional em Alagoas da MBA - Mídia Brasil Associados; membro associada à FEBRACOS – Federação Brasileira de Colunistas Sociais. Ex-diretora de comunicação social da Soamar/AL. - Sociedade Amigos da Marinha de Alagoas; Colunista do extinto portal Ciro Batelli – Unique Style (SP e Las Vegas).

Um Comentário em “Saudosa reflexão de Nadja para seu amor Ronald

Edilma Acioli Bomfim
13 de fevereiro de 2021 em 01:06

O texto de Nadja para Ronald pode até ser chamado de Biografia amorosa. Um relato vivido a dois marcado por.dores profundas e sublimadas pela força do intenso amor de ambos.

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