CHOQUE DA EQUIDADE
O setor elétrico brasileiro está com desequilíbrio estrutural, descompasso entre a oferta e demanda, porque temos 244 GW de potência instalada para uma demanda média de 85 GW, ou seja, remunerando investimentos que não são utilizados. As economias de quem migrou do mercado regulado para o mercado livre e daqueles que aderiram à geração distribuída estão sendo custeadas pelos consumidores cativos das distribuidoras, uma das razões das tarifas terem crescido 177% contra 122% da inflação medida pelo IPCA no período 2010-2024. O crescimento da desigualdade social em nosso país também fez com que a TSEE (Tarifa Social de Energia Elétrica) se mostrasse defasada dessa realidade.
Além das questões relativas aos eventos climáticos extremos, as características de intermitência das fontes eólica e solar, em sua grande maioria atualmente endereçadas ao atendimento no mercado livre (61 mil consumidores de grande e médio porte), estão exigindo investimentos em redes de transmissão e geração térmica na hora da ponta que estão sendo custeados pelo mercado regulado (90 milhões de pequenos consumidores). Políticas públicas envolvendo energia elétrica, que deviam ser custeadas pelo Tesouro Nacional, estão sendo por consumidores que pagam a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) prevista em R$ 51,6 bilhões para este ano.
Os “jabutis” sempre colocados na legislação são para privilegiar segmentos específicos de agentes do mercado de energia, em detrimento dos impactos causados no bolso dos consumidores com voz apenas de protesto. Os últimos, na Lei nº 15.097/2025 (marco regulatório das eólicas offshore), se os vetos presidenciais forem derrubados vão custar R$ 500 bilhões aos bolsos dos consumidores até 2050, ou seja, R$ 20 bilhões anuais. Subsídios, que deviam ter data limite para terminar, seguem indefinidamente tendendo para uma “espiral da morte”, situação em que não mais serão suportados por parcela mais pobre da população. Mercado realmente livre, não comporta nenhum subsídio.
Para resolver essas questões, o governo enviou ao Congresso a Medida Provisória (MP) nª 1.300/2025 contendo uma proposta para modernizar o setor elétrico brasileiro. Na exposição de motivos EM 00025/2025, em que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, submeteu à apreciação do Presidente da República, existem três pilares que são privilegiados: a redução da desigualdade energética, com o alívio tarifário para famílias de baixa renda; ampliação da liberdade de escolher seu fornecedor, também para consumidores de baixa tensão; e a correção de distorções na alocação de custos.
Vamos citar algumas propostas consideradas básicas na MP. a) A proposta para os consumidores de baixa renda é a seguinte: quem consumir de 0 a 80 kWh/mês, o desconto é de 100%; e isenção de pagamento das quotas da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para consumo até 120 kWh/mês para os inscritos no CadÚnico. Um custo de R$ 4,1 bilhões que, para a sua implantação, será criado um encargo a ser pago por todos. b) Cria o SUI (Supridor de Última Instância), que separa as atividades de uso do fio da comercialização de energia, com separação tarifária e contábil até 1º de julho de 2026, e seus custos rateados para todos os consumidores. c) Flexibilização do limite de contratação das concessionárias de distribuição e uma melhor definição de autoprodutor, modernização das tarifas e aplicação da tecnologia para alavancar novas modalidades tarifárias que vão ser criadas. d) Abre o mercado para o comércio e a indústria conectados na baixa tensão a partir de 1º de março de 2027 e para todos os consumidores residenciais da baixa tensão a partir de 1º de março de 2028, mas é vedada a comercialização de energia incentivada para esses consumidores.
Dando continuidade na citação das propostas constantes no texto da MP, temos: e) Os descontos no uso fio para consumidor de fonte renovável só serão aplicados até a data do término dos contratos de compra e venda. É mantida a trava temporal de 5 anos para retorno do consumidor do mercado livre ao mercado regulado. f) Na definição de preços, contabilização e liquidação das operações no mercado de curto prazo, serão considerados intervalos de tempo e deverão refletir o valor econômico da energia, levando em consideração o MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), o GSF (Garantia Física do Sistema), o tratamento dos serviços ancilares e os limites de preços mínimo e máximo. g) A CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) passa a ser chamada de CCE (Câmara de Comercialização de Energia), com ampliação de suas atividades para todas as formas de energia. h) Os custos com a compra de energia de Angra 1 e Angra 2 serão rateados pelos usuários finais do SIN (Sistema Interligado Nacional), exceto para os consumidores da Subclasse Residencial Baixa Renda, proporcionalmente ao consumo individual de cada um, a partir de 1º de janeiro de 2026. i) A CDE vai custear temporariamente componentes não tarifárias não associadas ao custo da energia e não remuneradas pelo consumidor gerador que incidem nos consumidores participantes do SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica) e seu custeio será aplicável a todos os consumidores com base na totalidade do consumo de energia.
Essa MP 1300 dialoga com consensos técnicos acumulados na Consulta Pública MME nº 33/2017, PLs nº 1917/2015 e nº 414/2021 e com o Programa de Modernização do Setor Elétrico (2016-2022). Tudo isso gerou diagnósticos valiosos que não foram plenamente implementados, razão pela qual foi necessário agir agora com uma MP. Mas apresentar essas profundas mudanças, através de uma MP é um ponto frágil e perigoso. Uma MP tem força de lei assim que é publicada, mas, se não for aprovada em 120 dias causa uma tremenda dúvida regulatória e judicializações. O caminho ideal seria um Projeto de Lei (PL), pois traria uma maior segurança jurídica e representaria um nível de barganha menor. Mas, a essa altura, sem nada ter sido implantado antes, poderia demorar bastante e ficar inviável o cumprimento dos prazos de implantação das mudanças propostos na MP.
Se o Congresso aprovasse a MP em sua íntegra, já seria um grande caminho percorrido pois nenhuma lei isolada conseguirá resolver os problemas citados acima. Tanto a MP como a PL exigem negociação política e com a MP ela tem que ser mais rápida. Mas o governo não tem maioria no Congresso e atualmente existe uma queda de braço por um espaço de formulador de política pública. O governo poderá ter que ceder muito mais e admitir alguns “jabutis”, porque já foram apresentadas 600 emendas. E, se a articulação política não funcionar, corre-se o risco de ficar uma reforma que vai gerar novas distorções ou apenas com a implantação da nova tarifa social.
CHOQUE DA EQUIDADE
Por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços