24 / 09 / 25

FALTA COM EXCESSO

Por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços

 

O sistema elétrico brasileiro atravessa por um momento paradoxal. Temos energia em excesso e corremos o risco de um racionamento por falta de potência. Isso sem falar numa confusão generalizada sobre preços no mercado livre e tarifas no mercado cativo das distribuidoras de eletricidade, motivada por subsídios que hoje já não são necessários. As fontes renováveis (eólica e solar) já possuem viabilidade econômica para andar sem as muletas do governo e as políticas públicas não devem ser custeadas pelos consumidores de energia (via tarifas) e sim, pelo Tesouro Nacional (via impostos dos contribuintes). A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), guarda-chuva que abriga todos os subsídios das políticas públicas, vai chegar a R$ 50 bilhões ao final do ano, que devia ser custeada pelo Tesouro Nacional.

            Na matriz elétrica brasileira temos uma potência total instalada de 249 GW, somatório de todas as fontes (hidro, biomassa, eólica, solar, gás natural, carvão, nuclear), incluindo os 43 GW da fonte solar na geração distribuída que não é controlada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Não se deve confundir potência instalada com energia gerada, porque os rendimentos das máquinas e equipamentos são diferentes: as grandes hidrelétricas, em média, têm um rendimento de 65% da sua potência instalada; gás natural (57%), carvão mineral (34%); eólica (35%); solar centralizada (21%), solar distribuída (16%) e nuclear (33%).

            A tese do aquecimento global e das mudanças climáticas têm pressionado os governos por uma transição energética baseada em fontes eólicas e solar e o governo brasileiro, para alavancar a maior participação dessas renováveis nas matrizes elétrica e energética criou várias maneiras de subsidiar suas viabilidades econômicas. Visando não perder os subsídios com uma possível mudança na legislação, os investidores solares solicitaram conecção à Rede Básica de transmissão citando que iriam atender demanda do mercado livre, sabedores que é um ambiente de comercialização por sua conta e risco. Devido ao baixo crescimento do nosso PIB isso não aconteceu e o mercado livre, que tem 80% da potência solar instalada para essa finalidade, está retirando mais consumidores do mercado cativo do que atendendo a novos consumidores.

            De uma demanda por energia de 80 GWmed, as fontes eólicas e solar juntas representam 38% desse total consumido, cerca de 30 GWmed. O restante está sendo suprido por 36 GWmed das hidrelétricas e 14 GWmed por térmicas. Nosso sistema tem muita energia sobrando, principalmente a solar, que a partir das 18:00h não gera mais e a participação das eólicas nesse horário é baixa. Temos muita energia durante o dia, quando a carga é baixa, e estão sendo feito cortes de geração por falta de demanda ou por sobrecarga na interligação Nordeste (geração) – Sudeste (mercado). Mas, ao anoitecer, na hora da ponta do sistema repentinamente falta potência, situação que passou a ser conhecida como a “curva do pato” (vácuo entre o dorso e o pescoço). Em 2024, essa diferença entre carga global e carga líquida chegou a 18 GW, volume que em 2029 poderá chegar a 37 GW, formando uma “rampa” de difícil escalada porque será necessário ter máquinas de partida rápida no sistema, características das usinas hidrelétricas e térmicas.

            Estamos no “período seco” (maio a novembro) e normalmente não chove no Sul/Sudeste, região na qual se encontra 70% do armazenamento nos reservatórios das hidrelétricas. O ONS está preocupado com a segurança do sistema, com a perda das condições de confiabilidade em 2026. Acompanha as projeções meteorológicas sobre qual será o volume de chuvas no período úmido (dezembro a maio), que deve encher os reservatórios das hidrelétricas, ou se teremos uma seca, como já aconteceu em 2001/2002. O alerta está também com as térmicas conectadas ao SIN (Sistema Interligado Nacional) pois 5 GW delas estão com contratos vencidos, outras tantas prestes a se vencer e/ou não foram dimensionadas para atendimento da ponta do sistema. Diante desse cenário, desde agosto a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) acionou as bandeiras tarifárias, no nível vermelha 2.

            Temos atualmente 28 emergências consideradas críticas no sistema elétrico brasileiro e se não tivermos no curto prazo um Leilão de Reserva de Capacidade na Forma de Potência (LRCap), teremos riscos de instabilidade no sistema.  Esse leilão estava previsto para junho de 2025 e a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) tinha registrado o interesse de 327 projetos que totalizavam cerca 74 GW. Entretanto, foi cancelado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) motivado pela judicialização de suas regras, quando foram questionadas a precificação dos lances e a nova fórmula para cálculo do preço da energia a ser adquirida na hora da ponta.

            A questão energética tem vários ângulos (técnicos, econômicos, sociais, ambientais e políticos) e não pode ser planejado com a visão em apenas um deles. Na situação em que estamos, as térmicas é que dão segurança ao sistema e são contratadas de forma complementar, justamente para cobrir esse momento em que acontece a grande intermitência na geração das fontes solar e eólica. A pressão dessas renováveis em participar do LRCap é grande citando o preço baixo e a visão ambiental como importantes na matriz, mas não possuem os elementos de segurança como a inércia e os controles robustos de tensão e frequência. O principal erro a ser evitado é incluir nesse tipo de leilão as fontes intermitentes porque não oferecem a confiabilidade exigida pela segurança energética. Nesse caso, se contratadas, só iriam agravar a situação.

            Todas as fontes podem ter espaço na matriz elétrica brasileira, mas no caso de um LRCap, que não é um leilão convencional de energia, o foco deve ser a segurança do sistema que é oferecido pelas hidrelétricas e pelas térmicas. O MME já publicou as Consultas Públicas nº 194/2025 e 195/2025 sobre LRCap previsto para março de 2026, em duas etapas, quando só poderão participar hidrelétricas e usinas movidas a gás e diesel B15. Na primeira etapa serão os projetos hidrelétricos (de preferência com a ampliação de usinas existentes) com contrato de 10 anos, carvão mineral de usinas já existentes com contrato de 3 anos e gás natural com contrato de 15 anos. Na segunda etapa, uma semana após, para as usinas a biodiesel, com contrato de 3 anos e suprimento imediato.

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

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