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A música maravilhosa de Stevie Wonder, ao vivo! O show que entrou para a história!

Fotos: divulgação
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Queridos amigos leitores, hoje estou aqui para escrever mais uma de minhas matérias, e o faço com muita emoção. Sou saxofonista, compositor e produtor musical, e também escrevo para o portal Batelli e para a revista Evidência Cosmopolita, e quando você exerce essa função, nem sempre pode escrever apenas coisas de que mais gosta. São tantas matérias, tantas visões do mundo moderno, que por muitas vezes temos que ter o senso profissional falando em primeiro lugar. Mas confesso que, hoje, isso não está acontecendo, mas eu explico: na matéria anterior, eu dediquei a minha coluna totalmente a programação do Rock in Rio, este festival que já faz parte do showbiz e se tornou, sem sombra de dúvidas, o maior festival de música de todos os tempos, dando ao nosso país respeito e credibilidade internacional. Hoje, eu vou comentar sobre a mágica noite de 29 de setembro, uma noite que entrou para a história.

Com tantas atividades que acumulo em minha carreira, como produtor e dono de estúdio, ainda cuido de minha carreira solo e artistas com quem faço shows e colaborações em discos, e agora, começa uma história até chegar aos portões do Rock in Rio nessa noite do dia 29. A programação do festival já estava toda feita por Roberto Medina e sua equipe, mas como relatei na coluna anterior, a procura foi muito grande, e foi aberta uma nova noite na programação, e como fiquei sabendo, a escolha para o nome principal do festival foi feita por exigência do próprio Medina, que normalmente não interfere nisso, e age por pesquisas feitas na Internet e pelo apelo do público, mas quando resolveram abrir essa nova data, a do dia 29 de setembro, Medina foi decisivo: eu quero Stevie Wonder.

Assim que soube da notícia que Stevie Wonder poderia tocar no Brasil, eu fiquei animadíssimo, feliz em saber que eu poderia finalmente ver ao vivo a lenda da música negra americana, o mestre da Soul Music e uma das maiores influências de minha música. Mas nada disso era garantia de que eu veria o meu ídolo. Nessa função de músico de estúdio, recebemos convites de participações em muitos discos, e isso aconteceu há pouco tempo quando meu amigo e arranjador Reinaldo Arias, um pianista talentoso, muito bom músico e também compositor, autor de uma das mais belas canções da música brasileira, “Codinome Beija-Flor”, em parceria com nosso eterno Cazuza, me convidou para gravar o novo disco de Jerry Adriani. O disco foi gravado, e há algum tempo foi feito um planejamento de lançamento e meu nome estava na lista para o show de estreia. Agradeci muito o convite, e a data no Teatro Rival foi marcada. Como isso foi feito há muito tempo, eu pergunto aos amigos leitores: Qual era a data de lançamento do show de Jerry Adriani? Sim, essa mesmo que vocês estão pensando – dia 29 de setembro de 2011. Minha mulher já tinha entrado na Internet e garantido nossos ingressos para assistirmos Stevie Wonder, e tenho certeza absoluta de que Jerry e sua produção não podiam supor que um show extra no Rock in Rio, e ainda mais de Stevie Wonder, poderia ser no mesmo dia do lançamento de “Pop, Jerry & Rock”. Mas o contrato já estava assinado e eu já tinha confirmado minha participação no show. Fiquei inquieto com aquilo, nunca faltei a um show, nunca me atrasei para pegar um avião, e o trabalho, pra mim, está sempre em primeiríssimo lugar, mas eu fiquei bem divido com a coincidência das datas. Bem, o que fazer?

Pensei em vender meu ingresso, porque seria muito difícil estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas não o fiz, e em cima da hora, olhando para aquele ingresso, resolvi guardá-lo. Na véspera, acertamos o horário de entrarmos no palco do Rival, e eu li nos jornais que a entrada do Stevie seria por volta de 1h10 da madrugada. Pensei: vai ser uma maratona, mas eu vou a esse show de qualquer maneira. E assim foi feito. Tivemos muitos ensaios na Barra da Tijuca, e na quinta-feira cheguei ao teatro ao final da tarde. Passei o som do meu sax, muito bom por sinal, e o show começou 20:15h. Quando as cortinas do Rival se abriram, pude ver o Teatro lotado, público quente, e o show foi muito bom. Logo que o show terminou, guardei os meus saxofones em meu camarim e parti para a saída. Chegando ao hall do teatro, fui surpreendido com tantos fãs do Jerry Adriani que o esperavam, e quando eu passei por ali, dezenas e dezenas de pessoas me pediram autógrafos no CD que fizemos. Autografei LPs, CDs e até ingressos do show. Eram muitas pessoas, e eu ali, pensando em sair logo dali, para chegar à Cidade do Rock. Mas atendi a todos os pedidos, porque acho antipaticíssimo você deixar um fã sem ter aquele momento de carinho após o show. Nós, músicos, não seríamos nada sem os fãs, e são eles que alimentam a nossa carreira.

Bem, depois de todas aquelas fotos e autógrafos, passei em casa para deixar meus instrumentos, troquei de roupa, pedi um táxi e parti para a aventura. Já passava das 23:00h quando o táxi chegou. Como o Rio Card com os ônibus com ar condicionado deixavam de sair às 21h, o jeito foi chegar ao terminal Alvorada e pegar um quentão mesmo até a Cidade do Rock. Quando cheguei, fui caminhando e o som foi chegando cada vez mais perto, eu via uma roda gigante iluminada, e o fabuloso Jamiroquai tocando em alto e bom som. Finalmente entrei na Cidade do Rock, e só deu para ouvir a última música do Jamiro. Fazer o quê? Mas depois de toda aquela maratona, eu lá estava, para enfim poder assistir ao meu grande ídolo, poder ver e ouvir Stevie Wonder.

O show começou com um som vindo de seu teclado Roland, um “Liberation” – aquele teclado sem fio, que vem pendurado no pescoço, e que te deixa livre para caminhar pelo palco. O som vinha sem ninguém ainda no palco, e o groove estonteante do teclado de Stevie fazendo um loop de frases, até as luzes se acenderem, a banda entrar no palco e a plateia ir ao delírio – esse que vos escreve, inclusive. A introdução foi longa para que o som se ajustasse, e Stevie parecia feliz demais por estar tocando para um público de aproximadamente 100 mil pessoas. Logo após Stevie e sua banda detonaram “How Sweet It Is (To Be Loved by You)”, de Marvin Gaye – um artista que, como ele, começou na gravadora Motown, a verdadeira fábrica de sucessos da música negra americana -, o show veio com o sotaque que eu tanto esperava, o sotaque da Soul Music. Dali para frente, foi ficar com os olhos grudados no palco, porque viria um arsenal de hits, que, aos poucos, música após música, sucesso após sucesso, Stevie Wonder foi justificando o fato de ser uma das atrações mais esperadas do Rock in Rio. Pra mim, a principal, é claro.

Um músico do quilate de Stevie Wonder nos mostra, em sua obra, um repertório que se confunde com a própria história da música Pop/Soul das últimas quatro décadas. Poucos, muito poucos artistas conseguem se manter tão íntegros e intocáveis como ele, sendo um dos maiores compositores do século.

Stevie, além de tocar Marvin Gaye, ainda nos brindou com lindas homenagens a Bob Marley, em “Master Blaster”, e a Michael Jackson, em “The Way You Make Me Feel”. Àquela altura, experiente de palco, o jogo já estava ganho. O som do festival, espetacular, potente, claro aos ouvidos, ia me enchendo de felicidade por estar diante de um gigante da música.

Tinha muitos amigos ali. Encontrei com DJ Memê, com quem gravei a trilha da novela “Despedida de Solteiro Internacional”. Meu parceiro Ronaldo Barcelos também passou por mim, assim como meu amigo Mauro e sua mulher, mas Zezé estava com Paula Ross e nossa amiga Valéria, que tinham chegado muito cedo ao RiR, e acabaram indo embora cansadas de estarem ali há tanto tempo. Eu mal podia acreditar naquela atitude, eu nunca, jamais conseguiria ir embora de um show do Stevie Wonder, por mais cansado que eu estivesse.

Mas quando me vi ali, sozinho, fui caminhando e vendo uma maneira de chegar cada vez mais perto do palco, e assim o fiz, aos pouquinhos fui invadindo aquela grama sintética, e o som cada vez mais dando verdadeiros socos em meu estômago a cada passo. Foi quando comecei a ver o Stevie bem mais de perto, e ele deixou o seu Roland “Liberation” para sentar-se ao piano e desfilar os clássicos que nos levam para viagens de nossas vidas. E vieram baladas arrebatadoras, como a belíssima “Overjoyed”, seguida de “My Cherie Amour”, e eu ali, naquela grama, ouvindo aquelas canções extraordinárias que embalaram a trilha sonora de minha vida, mal podia acreditar que estava vendo aquela maravilha ao vivo, casais se beijavam apaixonados em minha frente e ao meu lado. Sempre pensei sobre essa questão de Stevie não poder enxergar, e ali, naquele 29 de setembro, tive a garantia de que se Stevie Wonder enxergasse, visse o que todos nós vemos, sua música seria diferente. Como pode um ser humano ser tão iluminado? Como uma pessoa que lhe foi tirada a visão pode tocar tão bem um instrumento? Que sensibilidade é aquela? Quando me dei conta, em todo aquele clima harmonioso, e quanto sua música é poderosa, no meio de “My Cherie Amour”, lágrimas escorriam de meu rosto com muita facilidade, era emoção demais para um músico como eu. Não satisfeito, Stevie emendou com “You Are the Sunshine of My Life”, e logo após, “Living for the City”, em que a letra fala sobre a vida de um jovem do interior da selva de Nova York, reforçada por imagens urbanas nos telões de altíssima definição.

Stevie ainda nos fez um agrado, nos brindando com muita simpatia com a bela canção de Tom Jobim, “Garota de Ipanema”, muito bem interpretada por sua filha, Aisha Morris, fazendo o público cantar em uníssono a bela canção brasileira. Depois, ainda tocou o sucesso “Você Abusou”, da dupla Antônio Carlos & Jocafi, em que mais uma vez o coro de mais de 100 mil pessoas ajudaram Stevie e sua potente banda.

Depois desses números, Stevie Wonder retornou às suas origens e veio massacrando, com músicas daquele disco inesquecível e obrigatório em qualquer discoteca. Eu sempre fui um bom colecionador de discos, e nunca esqueço quando comprei o LP “Song in the Key of Life”, um disco definitivo, extraordinário, e um divisor de águas da musica Soul americana. Meu amigo Paulo “Head” Soares sempre dava boas festas em seu confortável apartamento na Tijuca, mas desculpe a minha marra, a festa bombava mesmo quando eu chegava carregado de meus discos de vinil, e entre eles estava sempre “Song in the Key of Life”. E foi com pérolas desse disco maravilhoso que Stevie Wonder detonou petardos sonoros emocionando a todos com “Isn’t She Lovely”, “As”, e explodindo o Rock in Rio, com o Funk “Superstition”, com canja da cantora Janelle Monáe. Eu e mais aquela multidão fomos literalmente à loucura. Stevie e sua banda abandonaram o palco Mundo com gritos de “bis”, e fomos devidamente atendidos com sua volta ao palco para fechar a noite com o também sucesso do disco “Song in the Key of Life”, “Another Star”.

Quando vi que os técnicos de som começaram a desmontar os microfones e Stevie Wonder não mais voltaria ao palco, comecei a sair em direção aos portões. Belos fogos de artifício começaram a serem estourados, continuei andando de exaustão depois de dias de ensaios e do show que fizera horas antes, e de ter encarado aquela maratona para chegar ao Rock in Rio. Eu, graças a Deus, tinha o Rio Card com ônibus especial para voltar pra casa, confortável, com ar condicionado, nem pensava em parar para assistir os fogos. Àquela altura, pensava em chegar em casa e deitar em minha cama King-Size, ligar o ar condicionado e dormir o sono dos justos. E assim o fiz. Cheguei um pouco depois das 5h da manhã, dei uma passada na cozinha e fui pro quarto. Cheguei a ver o dia amanhecer, e adormeci com a sensação de ter tomado a decisão certa em sair do Teatro Rival e ir ao encontro de uma música rica e belíssima, mágica e romântica, recheada de sucessos que embalaram e vão continuar a embalar a trilha sonora de minha vida. Como falei na coluna anterior, Deus tirou a visão de Stevie Wonder, mas deu-lhe sensibilidade e musicalidade em abundância. E quem ganhou com isso foram seus fãs, que amam sua música. Obrigado a você e sua competentíssima banda, Stevie Wonder!

Beijos, abraços, e até a próxima, amigos leitores.

Beto Saroldi - Rio de Janeiro/RJ

Saxofonista, compositor e produtor musical, começou sua carreira em 1975 com Eduardo Dusek e desde cedo foi muito requisitado nos estúdios, gravando com Fafá de Belém, Zizi Possi, Capital Inicial, Barão Vermelho, Gilberto Gil, Toquinho, Lulu Santos e muitos outros astros da MPB. Fez parceria com Erasmo e Roberto Carlos, tocou com Wagner Tiso & Lô Borges e ainda pertenceu a "UmBandaUm" de Gilberto Gil, fazendo turnês pelo Brasil, EUA, Europa, América Central e Oriente Médio.

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