28 / 08 / 21

O Cisne Negro Elétrico

Gás natural que é o combustível mais viável para a transição energética rumo a uma economia de baixo carbono

 

“A verdade pura e simples raramente é pura e nunca é simples.” (Oscar Wilde)

O Cisne Negro Elétrico

valor.globo.com/opiniaoO Cisne Negro Elétrico

Em 1978, uma crise de energia elétrica no Nordeste por chuvas insuficientes para recompor os reservatórios das hidrelétricas da região e pela inexistência de linhas de transmissão para a transferência de outros subsistemas. Em 2001, um racionamento pela falta de potência na hora da ponta para sustentar o consumo. Em 2021, a pior seca dos últimos 91 anos, outra crise hídrica num mesmo intervalo de tempo ameaça o suprimento de eletricidade. Se a crise hídrica é a única responsável por, ou se reduz consumo ou corta carga, é outra história.

Nassim Nicholas Taleb em seu livro “A Lógica do Cisne Negro”, diz que um Cisne Negro é um evento com um ponto fora da curva, imprevisível, produz um enorme impacto e, apesar de seu status, a natureza humana nos faz engendrar explicações para depois que ocorre, tornando-o explicável e previsível. Na descoberta da Austrália foi visto um cisne negro, quando se pensava que todos os cisnes eram brancos, uma crença calcada apenas por evidências empíricas. Ele também considera que um evento altamente esperado e que não ocorre, é também um Cisne Negro, e pede uma nossa observação por simetria porque a ocorrência de um evento altamente improvável é o equivalente à não ocorrência de um altamente provável.

O sistema elétrico brasileiro é planejado para um risco de déficit de 5% ao ano, ou seja, um risco de racionamento a cada 20 anos. Se fosse de 3%, certamente teríamos mais obras, mais investimentos, tarifas mais altas. Definir o risco de déficit em 5%, 3% ou 1%, isso sim, seria uma decisão do Parlamento. É óbvio que a competência legislativa deve parar por aí, não pode querer colocar em lei qual deve ser o percentual de hidrelétrica, eólica, solar, biomassa, gás natural, nuclear e outras fontes que podem fazer parte da matriz elétrica brasileira.

Recentemente, o Congresso Nacional atuou como planejador do sistema elétrico quando determinou que nos próximos dez anos sejam instalados 8 GW de térmicas à gás natural e 2,5 GW de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), definindo as regiões e os estados que vão receber esses empreendimentos, que poderão estar totalmente desconexos com a demanda futura. O que se vê hoje é o Congresso querendo colocar em lei regras atuais do mercado, que a cada dia mudam com uma velocidade incompatível com a dinâmica interna do Parlamento, razão pela qual deve legislar aprovando leis dizendo apenas o que não pode ser feito, cabendo a ANEEL a regulação do mercado.

Na Guerra Fria, o motor da economia mundial era a corrida armamentista. Depois da queda do Muro de Berlim passou a ser o aquecimento global e a produção de energia elétrica através de fontes renováveis. O modelo desenhado pelo “capitalismo verde” é baseado nas renováveis eólica e solar, no armazenamento de energia e no “financiamento verde”, bastando observar quem são os detentores dessas tecnologias e os acionistas das minas de nióbio, lítio e das baterias de fluxo. Como estratégia, eólica e solar para substituir os combustíveis fósseis na geração e “matar as hidrelétricas com reservatório e as nucleares” substituindo esse lastro com baterias para possibilitar o fornecimento de

energia elétrica no modelo 24 x 7. A gente se concentra muito no normal, que quase sempre é irrelevante, mas nos dá a sensação de que a incerteza está dominada.

Há mais de 10 anos se registra a progressiva redução do regime de chuvas, mas se tivéssemos mais reservatórios, não só para produzir energia, como também para os múltiplos usos da água, certamente agora os níveis de armazenamento seriam bem maiores. Com a dificuldade de implementação de grandes acumuladores, a Agência Internacional de Energia (AIE) vem agora reconhecer a importância das hidrelétricas e os ambientalistas mais radicais já consideram a nuclear como a usina que menos emite CO2.

Para o desenvolvimento das fontes eólica e solar, vieram umas meias-verdades, divulgadas como “energia limpa”, uma coisa que não existe. Se formos considerar todo o processo da conservação de energia, desde a obtenção da matéria-prima na natureza, transporte, transformação industrial e descarte, vemos que é limpa só na operação. A logística reversa daqui a pouco passa a ser um problema ambiental porque, no caso da solar, os inversores estão chegando perto dos 10 anos de sua vida útil e depois de 25 anos vai ser o caso dos painéis. Na realidade é uma energia “menos suja”.

Outra meia verdade é a apresentação do preço baixo das renováveis nos leilões. Esse preço é colocado abaixo do real para viabilizar a obra e a conexão, mas do projeto é vendido entre 30% e 34% da sua garantia física para o mercado regulado e o restante vai para um mercado livre de 36% do total, comercializado com preço mais alto, utilizando os subsídios e o consumidor do mercado regulado arcando com o custo do abastecimento das 16 horas restantes. Se não podemos confiar mais na “bateria hídrica”, até mesmo pelas incertezas climáticas, nem contar com os acumuladores de energia renovável, pela inviabilidade econômica do momento, temos que ter base térmica com gás natural que é o combustível mais viável para a transição energética rumo a uma economia de baixo carbono. Isso não foi feito e a aposta em São Pedro não deu certo.

A comparação de uma fonte intermitente com Itaipu, feita através da potência instalada, também deixa a verdade pela metade, quando na realidade se deveria comparar com a energia gerada, pois os fatores de capacidade têm uma diferença de quase um terço.

A matriz elétrica brasileira já é composta por 83% de fontes renováveis. Nosso problema de emissões de carbono está no setor de transportes e agora só se fala em hidrogênio “verde”. Nossa desestruturação no GSF (Garantia Física do Sistema), PLD (Preço de Liquidação de Diferenças), MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e nas tarifas, requer uma modernização do modelo made in Brazil que leve em conta todas as tecnologias e atributos das fontes disponíveis. Mas para ser realmente livre e competitivo, deve ter os subsídios considerados necessários bancados pelo contribuinte e não pelo consumidor de energia elétrica. (17/08/2021)

O Cisne Negro Elétrico, por Geoberto Espírito Santo – GES Consultoria, Engenharia e Serviços

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

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