RENOVAÇÃO DAS CONCESSÕES
Conforme Art.21 da Constituição Federal. Compete à União: … XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; Em seu Art.22, temos: Compete privativamente à União legislar sobre: … IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; No Art. 175 temos: Incumbe ao poder público, da forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. O Inciso I do Parágrafo único diz: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
A União explorar diretamente serviços de energia elétrica é praticamente inviável do ponto de vista da governança corporativa, burocracia, regime de contratação pessoal e definição de preços. A autorização é dada para pequenos empreendimentos e a permissão é utilizada em mercados próprios inferiores a 500 GWh/ano, muito embora estejam sujeitas a reajustes tarifários anuais e a revisão tarifária semelhantes às distribuidoras sob regime de concessão. De acordo com o Art.175 da CF acima citado, ao final de uma concessão deveria haver uma licitação ao invés de uma renovação automática, o que passou a ser permitida no Governo Dilma Rousseff após a MP 579, transformada na lei nº 12.783/2013. Até 2031, temos 14 distribuidoras de energia elétrica para renovar as concessões, dentre elas a Light.
A Light é uma concessionária que atende a 30 municípios do Rio de Janeiro e uma grande preocupação do setor porque sua concessão termina em 2026, apresenta uma situação econômico-financeira e qualidade dos serviços prestados muito ruins e sua direção diz que não se justifica investir no sistema sem que essa situação seja equacionada. Em 2022, a Light distribuição apresentou um prejuízo de R$ 5,816 bilhões, que foi atenuado com o lucro operacional de R$ 233,4 milhões registrado na área de geração e comercialização, o que levou o resultado consolidado do grupo para R$ 5,672 milhões. As perdas não técnicas (eufemismo utilizado pelo setor para o roubo e a fraude em energia) foi de 6.762 GWh, sendo que 50% dele oriundo das chamadas Áreas de Severas Restrições à Operação (ASRO), que são dominadas pela criminalidade, assim como na área convencional (ATC), que apresenta o mesmo índice. São territórios da concessão onde o processo de constatar a fraude, acionar a polícia, autuar quem comete a fraude, entre outras ações, não consegue ser realizado. Em algumas áreas, as milícias se organizam para cobrar a energia fornecida pela concessionária e, em outras, quem faz isso são os traficantes. É um complicador que chamamos de dinâmica do território.
O caso da Light não é isolado, mas é o mais complicado porque sua área de cobertura é densa e, apesar de precarizada, tem uma renda econômica que não é tão baixa. No verão, temos também o uso intenso de aparelhos de ar condicionado e, no ano passado, essas perdas representavam 20% de toda a energia furtada do país. Em 2015, essas perdas causaram um prejuízo à Light de R$ 400 milhões no Ebtida. Em 2016, foi implantado um projeto piloto chamado Reta Velha, para combater o furto em áreas de risco. A iniciativa envolvia a população local na regularização dos serviços, quando inclusive foram implantados benefícios, como foi o caso da implantação de uma rede Wi-Fi grátis, trabalho que foi perdido quando houve uma mudança no controle da região. Na realidade, é um problema de presença de estado, que concedeu serviços públicos para empresas atuarem, mas não garante a segurança para essa atuação.
Esse resultado negativo na distribuição é histórico, mas precisa ser contextualizado para que não seja projetado para outras distribuidoras de energia elétrica. A grosso modo, o impacto maior veio em decorrência da Lei nº 14.385/22, de 27 de junho de 2022, que alterou a lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que disciplina a devolução de valores de tributos recolhidos. A nova lei determinou provisão de devolução dos créditos de PIS/Cofins aos consumidores, o que a Light não fez de imediato. Em sua avaliação, entendeu que poderia manter parte do valor arrecadado, que seria considerado prescrito, entendimento que outras concessionárias não tiveram. Com a lei, outras distribuidoras pararam de reconhecer e estipularam a devolução aos consumidores, decisão que a Light só tomou após o terceiro trimestre de 2022.
Apesar dos valores citados não serem recorrentes, a situação é de muita sensibilidade, pois um término de concessão em 2026, em tese, não estimula um aporte de recursos com financiamento a longo prazo. A Light defende a antecipação da renovação da concessão, o que permitiria uma reestruturação financeira, mas o governo ainda não decidiu qual o tratamento a ser dado para as concessões de distribuição que vão se vencer. Não existe esse tipo de histórico de retomada de concessão na área e uma das opções ventiladas por uma vertente do governo é a renovação da concessão com pagamento de bônus de outorga, enquanto outra defende a troca por benefícios sociais.
Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia (MME), participou em fevereiro de uma reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) quando disse: “Em pleno século 21, não é mais aceitável falar em miséria energética. É preciso combatê-la e garantir que esse importante insumo chegue na casa de todos os brasileiros”. Numa reunião com as equipes das concessionárias distribuidoras, o MME colocou na mesa uma proposta, que, em síntese é a seguinte: a renovação será feita sem ônus para as concessionárias, mas elas terão que apresentar contrapartidas sociais. Em março, no Arko Conference 2023, para o caso da renovação das concessões das distribuidoras de energia elétrica disse que “provavelmente não há o que se falar em outorga e onerosidade para essas renovações ou licitações, a não ser que sejam feitas internamente nos contratos para melhorar a qualidade dos serviços das distribuidoras”. Em maio, Silveira esteve numa audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado, quando lembrou que há uma reclamação “quase que geral” no Brasil sobre os serviços das distribuidoras.
Um dos objetivos de uma recente reunião com as distribuidoras foi “definir soluções para os contratos de concessões com foco no equilíbrio entre a segurança energética e a modalidade tarifária”. Silveira disse que “elas atenderão a eficiência energética e, principalmente, a população, com aumento dos investimentos por parte das distribuidoras nas linhas de baixa tensão para melhorar a qualidade dos serviços”. Além dessas palavras, o MME não deu maiores detalhes sobre quais serão e como deverão funcionar as contrapartidas sociais que foram discutidas com as concessionárias. Na próxima semana deverá ser lançada uma consulta pública para a renovação das concessões do setor elétrico, que já está sendo discutida com o Tribunal de Contas da União (TCU).
RENOVAÇÃO DAS CONCESSÕES
por Geobero Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços