17 / 07 / 23

MODELO INSUSTENTÁVEL

 

MODELO INSUSTENTÁVEL

O atual modelo de expansão do consumo de energia elétrica no Brasil não é sustentável. A energia das hidrelétricas, que era considerada firme, passou a ser assegurada e agora tem uma garantia física (GF), quando a precificação lhe deu um valor econômico. Todos os contratos, não só das hidrelétricas, como de qualquer fonte geradora, são agora com garantia física. Se, por sua culpa, não gerarem a GF que disseram que teriam vão ter que buscá-la no mercado de curto prazo ou pagar a diferença. Mas, se a culpa for de terceiros, têm o direito de receber o precificado. Apesar de termos GF contratual, teve momentos em que foi adquirida energia de reserva, ou seja, um custo adicional, quer de geração, quer de transmissão; um paradoxo, convenhamos. O problema é maior porque essas garantias físicas das usinas deveriam ser revistas de 4 em 4 anos e isso só foi feito uma vez desde 1998, com o argumento que aquelas condições de outrora não se sustentam mais, a GF seria diminuída e a tarifa iria aumentar pela necessidade de remuneração do investimento.

Os grandes consumidores industriais e comerciais quando migram para o ACL (Ambiente de Contratação Livre) não levam consigo o custo do lastro, que fica no ACR (Ambiente de Contratação Regulado) para os consumidores cativos pagarem, via aumento de tarifas, porque ele foi adquirido em leilões pelas distribuidoras. Os chamados consumidores especiais, que podem ir para o mercado livre, desde que passem a ser supridos apenas por fontes renováveis, também provocam a mesma situação pois eólicas e solares são intermitentes, não funcionam as 24 horas do dia e precisam de outra fonte para um suprimento contínuo. Os da geração distribuída (GD), que possuem recursos financeiros, também deixam o custo do uso do fio para os consumidores cativos das distribuidoras pagar. Em 01/01/2024, todos os consumidores ligados em alta tensão poderão migrar para o mercado livre (ACL). Em 01/01/2026, todos da baixa tensão, exceto residenciais e rurais, também poderão migrar. A partir de 01/01/2028, todos os consumidores de energia elétrica no Brasil poderão ser livres, ou seja, é o que chamamos de “uberização da energia”.

É importante frisar que esse jogo está sendo jogado numa conjuntura composta pelos seguintes fatos: a) perspectiva de tranquilidade no suprimento nos próximos três anos, função de dois anos de uma hidrologia favorável, pois os reservatórios registram níveis de armazenamento com mais de 80% em todos os subsistemas; b) potência de 215 GW instalada na geração para uma carga estagnada em torno de 70 MW médios, decorrente de quase uma década de baixo crescimento do nosso PIB; c) assimetrias que foram provocadas por uma “colcha de retalhos”, que nos deixa numa situação de termos energia barata e uma das tarifas de energia elétrica mais caras do mundo; d) as políticas públicas, e os subsídios delas decorrentes, que deveriam ser custeadas pelo governo, via Tesouro Nacional, estão sendo pagas pelos consumidores, pois a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) quando foi criada custava R$ 1 bilhão e nesse 2023 vai para R$ 35 bilhões.

Se temos muita potência instalada para uma demanda baixa, geração e linhas de transmissão não utilizadas agregam custos que precisam ser remuneradas, mas essa conta tem caído, invariavelmente, no colo dos consumidores das distribuidoras, via aumentos anuais das tarifas de energia elétrica. Na proporção que a GD avança, num modelo de baixo para cima, continuamos licitando grandes linhas de transmissão que poderão ter um baixo aproveitamento antes do seu investimento ter sido remunerado. Deixar de concluir Angra 3 com mais da metade da obra já edificada é um prejuízo maior do que a colocar em operação. O problema é que, quando foi iniciada, sua tarifa era de R$ 250/MWh e agora, depois de resolvidos os problemas com a Lava Jato, está calculada em R$ 700/MWh.

Todos os agentes dizem que seus custos estão baixando, mas o que vemos são aumentos de tarifas cada vez maiores. Alguma coisa está errada. Sobreoferta de energia e baixo crescimento do PIB é uma janela de oportunidades para que o Sistema Elétrico Brasileiro resolva suas pendências e se equilibre nessa jornada da transição energética. Esse é o momento de se costurar um grande acordo para a superação dos problemas decorrentes desse cenário, que a cada dia se avolumam. Entretanto, essas são questões que precisam ser resolvidas dentro de uma lógica de respeito aos contratos que foram celebrados, pois os objetivos de qualquer governo não passam pela falência das empresas, nem pelo assalto ao bolso dos consumidores. A “colcha de retalhos” que foi gerada, entre outras coisas, pela perenização de subsídios que não têm mais sentido e que estão distorcendo o modelo tarifário, requer que os atores dessa cena venham a abrir mão de algumas questões do seu segmento em prol de um setor elétrico mais sustentável.

Uma questão a ser equacionada é o da governança do setor. O Congresso Nacional, no afã de atender compromissos políticos, tem aceitado a inclusão de “jabutis” em leis que não tratam do setor elétrico, questões que não são discutidas nem avaliados os seus impactos. Um exemplo é a obrigatoriedade de instalar 8 GW inflexíveis a serem gerados com gás natural em regiões que nem têm gás, nem gasodutos. Quem vai pagar a conta? Esse é dos casos em que o Parlamento, ao invés de aprovar leis com enfoque genérico, visão de longo prazo e sem retrato 3×4, faz o papel de planejador do sistema elétrico. É fundamental que todos entendam a importância das agências reguladoras como órgãos de Estado, e não de Governo, pois os investidores não podem ficar dependentes dos humores dos governantes de plantão. Investimentos e concessões em energia elétrica são por 20-30 anos, ultrapassando vários mandatos, devendo-se evitar, ao máximo possível, a judicialização da energia. As agências devem estar sempre capacitadas para regulamentar, com a devida antecedência das tendências do mercado, os ajustes que forem necessários para que a expansão da oferta e dos custos não seja feita de forma desordenada.

Para a questão do excesso de geração disponível para uma carga baixa, o motor do crescimento é o país voltar a crescer na casa dos 3% a 4% ao ano, que provocariam a expansão entre 5% e 7% anuais da carga elétrica. Entretanto, isso só ocorrerá com a reindustrialização do país, que não é de competência do setor elétrico. Mas não existirá uma indústria forte e competitiva, sem que a energia seja barata. E, na reindustrialização, a expansão da energia seria focada na descarbonização e em suas alternativas: a eficiência energética, o hidrogênio e a captura e armazenamento do carbono. Inexoravelmente isso vai desaguar no Congresso Nacional, pois é ele que formula as políticas públicas. E lá já está o PL 414/21, que traz soluções para uma grande parte desses problemas, mas está parado na Câmara dos Deputados.

MODELO INSUSTENTÁVEL
por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

Um Comentário em “MODELO INSUSTENTÁVEL

Antonio Carlos M. Doria
18 de julho de 2023 em 06:42

Artigo muito elucidativo, mais uma vez, mostra que decisões políticas sem o necessário e imprescindível embasamento técnico distorce os resultados almejados.

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