MODERNIZAÇÃO RENOVÁVEL
A energia das hidrelétricas era firme, passou a ser assegurada e agora tem uma garantia física (GF), pois recebeu um valor econômico. Todos os contratos com qualquer fonte geradora são agora com garantia física. Apesar de termos GF contratual, foi paradoxal oito leilões de energia de reserva, ou seja, um custo adicional de geração e transmissão. O problema é maior porque essas garantias físicas das usinas deveriam ser revistas a cada 4 anos e isso só foi feito uma vez desde 1998. O argumento da negativa foi que aquelas condições de outrora não se sustentando mais, a GF seria diminuída e a tarifa aumentada pela necessidade de remunerar o investimento.
Grandes consumidores industriais e comerciais migraram para o ACL (Ambiente de Contratação Livre) mas não levaram o custo do lastro adquirido em leilões pelas distribuidoras que ficou no ACR (Ambiente de Contratação Regulado) para os consumidores cativos pagarem, via aumento de tarifas. Os consumidores especiais podem ir para o mercado livre, desde que passem a ser supridos apenas por fontes renováveis, também provocam a mesma situação pois a intermitência de eólicas e solares precisa de outra fonte para um suprimento contínuo. Os da geração distribuída (GD) possuem recursos financeiros, mas também deixam o custo do uso do fio para os consumidores cativos pagarem.
Em 01/01/2024, todos os consumidores ligados em alta tensão poderão migrar para o mercado livre (ACL). Perspectiva para 01/01/2026 todos da baixa tensão, exceto residenciais e rurais, também poderem migrar. Pressão para 01/01/2028, todos os consumidores de energia elétrica no Brasil poderem ser livres, ou seja, é a “uberização da energia”.
Esse jogo está sendo jogado numa conjuntura composta pelos seguintes fatos: a) perspectiva de tranquilidade no suprimento nos próximos três anos, função de dois anos de uma hidrologia favorável, com os reservatórios registrando ao final de 2023 níveis de armazenamento em torno de 70%; b) potência de 219 GW instalada na geração para uma carga estagnada em torno de 75 MW médios, decorrente de uma década de baixo crescimento do PIB; c) assimetrias que foram provocadas por uma “colcha de retalhos”, que nos deixa numa situação de termos energia barata e uma das tarifas de energia elétrica mais caras do mundo; d) as políticas públicas, e os subsídios delas decorrentes, que deveriam ser custeadas pelo governo, via Tesouro Nacional, estão sendo pagas pelos consumidores. A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) quando foi criada custava R$ 1 bilhão e nesse ano vai para R$ 35 bilhões.
Se temos muita potência instalada para uma demanda baixa, geração e linhas de transmissão não utilizadas agregam custos que precisam ser remuneradas, mas essa conta tem caído, quase sempre, no colo dos consumidores cativos. Na proporção que a GD avança, num modelo de baixo para cima, continuamos licitando grandes linhas de transmissão que poderão ter um baixo aproveitamento antes da remuneração do investimento.
Deixar de concluir Angra 3 com mais da metade da obra já edificada é um prejuízo maior do que a colocar em operação. O problema é que sua tarifa inicial era de R$ 250/MWh e agora, equacionados os problemas com a Lava Jato, está calculada em R$ 700/MWh.
Todos os agentes dizem que seus custos estão baixando, mas o que vemos são aumentos de tarifas cada vez maiores: então, alguma coisa está errada.
Sobreoferta de energia e baixo crescimento do PIB é uma janela de oportunidades para que o Sistema Elétrico Brasileiro resolva suas pendências e se equilibre nessa jornada da transição energética. Esse é o momento de se costurar um grande acordo para a superação dos problemas decorrentes desse cenário, que a cada dia se avolumam. Mas essas questões precisam ser resolvidas com respeito aos contratos celebrados, pois os objetivos de qualquer governo não devem passar pela falência das empresas, nem pelo assalto ao bolso dos consumidores.
A “colcha de retalhos” que foi gerada, entre outras coisas, pela perenização de subsídios que não têm mais sentido e que estão distorcendo o modelo tarifário, requer que os atores dessa cena venham a abrir mão de algumas questões do seu segmento em prol de um setor elétrico sustentável e sustentado.
A principal questão a ser equacionada é o da governança do setor. O Congresso Nacional, no afã de atender compromissos políticos, tem aceitado a inclusão de “jabutis” em leis alheias ao setor elétrico, textos que nem são discutidos nem avaliados seus impactos. Um exemplo é a obrigatoriedade de instalar 8 GW inflexíveis a serem gerados com gás natural em regiões que nem têm gás, nem gasodutos. Quem vai pagar a conta?
Esse é um dos casos em que o legislador faz o papel de planejador do sistema elétrico. É fundamental que todos entendam a importância das agências reguladoras como órgãos de Estado, e não de Governo, pois os investidores não podem ficar dependentes dos humores dos governantes de plantão. As agências devem estar sempre capacitadas para os ajustes com visão nas tendências do mercado, para incentivar que a expansão da oferta seja feita de forma ordenada, evitando ao máximo o caminho da judicialização.
O motor do crescimento da carga baixa para o excesso de geração disponível é o país voltar a crescer 3% a 4% ao ano. Entretanto, isso só ocorrerá com a reindustrialização do país, que não é de competência do setor elétrico. Mas não existirá uma indústria forte e competitiva, sem que a energia seja barata.
Na reindustrialização, a expansão da energia seria focada na descarbonização e suas alternativas: a eficiência energética, o hidrogênio e a captura e armazenamento do carbono. Esse modelo de expansão do consumo de energia elétrica no Brasil com as regras atuais, nem será sustentável, nem sustentado. Inexoravelmente isso vai desaguar no Congresso Nacional e o governo deve articular a aprovação de uma modernização no setor de forma que a transição energética tenha segurança no acesso e seja justa.
(Valor Econômico, em 04/08/2023)
MODERNIZAÇÃO RENOVÁVEL
por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços