A OPEP DO LÍTIO
A estratégia econômica mundial do aquecimento global, segurança climática, transição energética e segurança energética chegou aos minerais estratégicos. Já vinham sendo utilizados nos celulares, tablets, laptops e agora, em maiores proporções, nas bicicletas, carros e ônibus elétricos e no armazenamento de energia. Temos lítio e cobalto nos computadores, celulares e baterias, onde também o níquel e o grafite melhoram o desempenho e a longevidade. Nos painéis solares, o telúrio e o silício. Numa eólica, aço, zinco, alumínio, carbono, vidro, níquel e ferro. Terras raras são utilizadas em semicondutores, catalizadores e lâmpadas LED.
Se o gás natural foi considerado o combustível da segurança energética, o lítio agora é a matéria-prima essencial para o armazenamento da transição energética. Basicamente, um carro convencional usa o cobre e o manganês, por causa do aço. Num carro elétrico, além do cobre e do manganês, são utilizados lítio, níquel, zinco, grafite, cobalto e terras raras. Relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) diz que, em 2022, as vendas de carros elétricos ultrapassaram 10 milhões de unidades, registrando um aumento de 60% em relação a 2021. O lítio também está presente nos grandes armazenamentos de energia elétrica, que servem, dentre outras finalidades operacionais, de base para o despacho de renováveis.
A quantidade de carbonato de lítio num celular é de 3g, tablet 20g, laptop 30g, bicicletas elétricas 300g, nos carros elétricos 50 kg e num ônibus elétrico 200 kg. O consumo de lítio, que em 2021 era de 95 mil toneladas passou em 2022 para 134 mil. Seu preço nos EUA em 2021 era de US$ 14.000 por tonelada, passando para US$ 37.000 em 2022. Segundo projeções do Serviço Geológico dos EUA e Secretaria de Mineração da Argentina, a demanda por milhares de toneladas de carbonato de lítio, que no ano passado era 427, passará para 1.793 em 2030.
No período 2017 a 2022, o setor de energia fez a demanda por lítio aumentar 300%, a de cobalto 70% e a do níquel em 40%. A corrida para o lítio foi acelerada pela produção de veículos elétricos, motivada pelo tamanho médio das baterias nos principais mercados. Em 2022, esse mercado de minerais de transição energética tem recebido da indústria global de mineração uma maior atenção, tendo atingido US$ 320 bilhões. Esses materiais, principalmente o lítio, cobalto, níquel e cobre estão sendo vistos pelos investidores como matéria crítica e estratégica para a chamada energia limpa das próximas décadas. China e Estados Unidos, as duas grandes superpotências mundiais do momento, claramente já duelam por esses minerais essenciais, mas a Europa está se posicionando.
A China é líder em terras raras, detém 60% das reservas de grafite e possui relevante reserva de lítio, produzindo cerca de 75% das baterias de íon-lítio no mundo. No Plano Nacional de Recursos Minerais da China, além dos recursos energéticos tradicionais como o carvão, petróleo, gás natural e gás de xisto, estão incluídos 24 minerais estratégicos, dentre eles o alumínio, cobre, cobalto, ferro, lítio, níquel, ouro e terras raras. Mas, no caso do lítio, poderá ficar com um alto grau de dependência externa desse mineral indispensável porque é lá que está a maior concentração do seu processamento.
Os Estados Unidos planejam recuperar parte da sua independência energética e o lítio aparece como elemento chave para essa competição tecnológica e geopolítica com a China. Atualmente, os chineses estão levando vantagem porque seu governo está investindo na América Latina na produção de baterias, em mineração e montando fábricas. Os Estados Unidos estão mais focados na aquisição das matérias-primas para as empresas americanas construírem suas próprias tecnologias ecológicas. Um olhar geopolítico nos leva a República Democrática do Congo, um país com conflitos internos onde se concentram as jazidas de cobalto. Certamente os norte-americanos vão recuperar esse atraso e o Brasil vai estar incluído nessa disputa.
Temos no mundo 98 milhões de toneladas de lítio identificadas, sendo 21 milhões de toneladas na Bolívia, 20 milhões na Argentina e 20 milhões no Chile. Temos ainda 12 milhões nos EUA, 8 milhões na Austrália, 7 milhões na China, um milhão no Brasil e 11 milhões no restante dos países. Na América do Sul, está o Triângulo do Lítio, com 62% de suas reservas mundiais, localizada em Salar de Uyuni, na Bolívia, Salinas Grandes, Salar Hombre Muerto e Salinas Arizaro, na Argentina e Salar Atacama, no Chile. Apesar das maiores reservas estarem na América do Sul, não fomos os maiores produtores mundiais de carbonato de lítio em 2022: na Austrália foram produzidas 52%, no Chile 25%, na China 13%, na Argentina 6%, no Brasil, EUA, Portugal e Zimbábue 1% cada e 0,1% nos demais países.
A empresa canadense Sigma Lithium, já tem licença para iniciar suas operações em Minas Gerais, numa mina chamada Grota do Cirilo, projeto de R$ 3 bilhões com a produção do lítio endereçada à exportação. Nossa demanda de carbonato de lítio em 2020 era de 327 quilotoneladas (kt) e espera-se que seja de 2.114 kt em 2030, portanto, um crescimento anual de 2,1%. A meta do Brasil para 2026 é estar produzindo 5% do lítio do mundo e, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), nossas reservas de lítio estão no Ceará, no eixo Rio Grande do Norte/Paraíba, no sul de Tocantins com o nordeste de Goiás, na Bahia e em Minas Gerais, no conhecido médio Jequitinhonha, região leste e São João del Rei. É claro que a exportação é um bom caminho, mas precisamos mesmo é fazer a transformação da matéria-prima.
Os desafios nessa cadeia de produção são muitos, desde a concentração em poucos países até os impactos ambientais da mineração e o consumo de energia, visualizando que, após a vida útil, as baterias poderão se tornar um lixo perigoso. Hoje é feita reciclagem na China, EUA e Europa, mas deve mudar na próxima década porque as baterias dos veículos elétricos vão chegar aos 10-15 anos de vida útil.
(Valor Econômico, 21/07/2023)
A OPEP DO LÍTIO
por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços