20 / 01 / 24

UM DIA SEM RESPEITO

“No Brasil, só se fala no Estado Democrático de Direito. Vamos ampliar essa forma de soberania para Estado Democrático de Direito e Deveres?” (Geoberto Espírito Santo)

UM DIA SEM RESPEITO

Fui criado em um ambiente que jamais poderia imaginar ver um apelo na televisão para ter respeito com as mulheres. Na realidade, o respeito não deve ser só com elas, mas tudo leva a crer que a sociedade em que vivo hoje não consegue entender o que isso significa. Todo mundo “se acha” (como dizem os jovens) com todos os direitos, sem ter como limite os seus deveres.

Semana passada observei e tive um dia sem respeito. Geralmente acordo às 5:30h e depois de uns alongamentos em casa saio as 6:00h para caminhar no calçadão da praia de Ponta Verde, direção Jatiúca. Nesse dia, o desrespeito começou quando veículos não paravam para a travessia de pedestres pela faixa. Na espera, um casal de turistas se juntava a mim para perguntar se “em Alagoas a faixa de pedestres não era respeitada”. Minha resposta “sim” não poderia ser diferente e, como era um sábado argumentei que “seriam motoristas que estavam naquela hora saindo da farra”. Antes de terminar a travessia já havia “quebrado a cara”, pois uma motocicleta, ao invés de diminuir a velocidade, passar o mais distante possível ou até mesmo parar, passou perto em alta velocidade gritando “sai da frente vovô”.

Caminhando pela calçada com outros pedestres vem ao nosso encontro uma pessoa de bicicleta, que passa no meio de nós, com a minha reclamação de que “o lugar de andar de bicicleta era a outra pista” ao desviar-me para evitar o choque. O homem já maduro me respondeu que “na pista de bicicleta tem uma poça d´água que pode molhar os pneus da mesma”. Já um pouco distante, disse eu: “Não pode molhar os pneus da bicicleta, mas pode atropelar os pedestres”. A pessoa parou e perguntou “quem é você”, uma derivação moderna do “você sabe com quem está falando?” Respondi que era “um cidadão brasileiro pedindo para ele respeitar os meus direitos e ele cumprir com os seus deveres”. Sem resposta, com aquela postura “tô nem aí” continuou circulando no meio dos pedestres. Em seguida, um cidadão me disse que aquele da bicicleta era um que, por trabalhar em órgão público que pode pressionar o cidadão, já é conhecido, “se acha”.

Na volta para casa, numa calçada perto de onde moro, por distração tive que dar um pulo para não sujar o tênis com cocô de cachorro. Antigamente, quem saia para passear com os cachorros era a secretária do lar com a recomendação de levar um plástico para recolher as fezes do mesmo. Mas agora vemos também as próprias proprietárias do animal, algumas delas desconhecedoras dessa prática de respeito ao cidadão, à limpeza urbana, deixando aquele cheiro de urina nos pés dos postes e coqueiros, que nesse caso fica mesmo difícil de evitar.

Depois daquele banho confortante e do café da manhã, “a que manda em mim” pediu para eu ir ao supermercado fazer umas compras. Ao tentar estacionar na vaga do idoso, pois estou mais perto dos 80 do que dos 70, de pronto não pude porque haviam deixado um carrinho de compra no meio do espaço, razão pela qual tive que descer e colocar o mesmo numa posição de não atrapalhar ninguém. Ao estacionar, vi que na vaga ao lado, para deficiente físico, estava parando um veículo e resolvi esperar para ver quem era. Aí desce a motorista, única passageira do carrão, jovem senhora bem apessoada, vestida com aquelas roupas de academia que a posicionam no topo da pirâmide dos rendimentos, com um tampão branco em cada ouvido, olhando o celular.

Conclui as compras e entrei na fila dos idosos, tendo três pessoas à minha frente. Vejo então uma jovem simpática, vestida bem à vontade, um pouco aflita porque chegando sua vez no caixa aguardava o namorado que ainda estava escolhendo o que comprar. Aí vem a função do caixa que não devia atender consumidor nessa situação, certamente orientado por seu gerente pelo mito que “não podemos contrariar o cliente”. Chega então o namorado com uma cestinha contendo Red Bull, Coca Cola Zero, água mineral e salgadinhos para levar para a praia. Nos países desenvolvidos, quem estava guardando lugar não é atendido e quem chegou agora vai para o final da fila. Fato contínuo, vem um rapaz com duas latas de cerveja pedindo para passar na frente porque a compra era pequena. A minha não permissão, dizendo que ele fosse para os caixas de pequenas compras, teve a reprovação da senhora à minha frente, tendo inclusive ficado com pena do “bichinho, tão poucas compras”, como ela argumentou.

Ao dirigir-me para o carro, vejo um veículo branco, alto, estacionado na faixa de pedestres, certamente esperando que “a autoridade” voltasse com as compras feitas. Mostrei o desrespeito a um “segurança” que fica numa porta, recebendo como resposta que não é sua atribuição impedir aquele procedimento. Colocando as compras no carro, vejo que na vaga de gestante começa a entrar um veículo e, ressabiado, fiz uma “cera” para sair aguardando quem desceria do carro. Um rapaz musculoso, de boné, cheio de tatuagens, único ocupante do veículo, desce falando ao celular com aquele “ar de quem pode tudo” porque sou “o cara”. Se ele já pode estar, sou um ignorante da modernidade.

É claro que o erro está no berço, passando pela permissividade de não reivindicarmos nossos direitos. Por que o tempo de espera de quem vai para a praia é mais importante que o meu? “Guardar lugar” em fila de loteria, de supermercado, de banco, isso só existe em nosso país. Esse registro foi de um dia, mas esses fatos acontecem todos os dias. O povo é mal educado porque o discurso da valorização da educação não aparece nos índices comparativos internos e externos e não quer dizer apenas presença em sala de aula. Dos que não cumprem as leis, só os “inimigos” são fiscalizados. Não se cumpre o que foi assumido em juramento numa formatura ou quando se assume um cargo público.

Se todo poder emana do povo, como está no Parágrafo único do Art. 1º da nossa Constituição, vamos dar poder ao povo. Que se implante uma lei em que o povo, até mesmo no anonimato para evitar maiores conflitos, seja o fiscal dessas faltas de respeito com a cidadania. Hoje, praticamente todo mundo utiliza celular, que pode fotografar essas irregularidades e entregar no órgão público competente para aplicação da respectiva multa. Esses recursos seriam endereçados, exclusivamente, sem desvios para outras finalidades, para retirar essa população de rua que vive abandonada pela falta de respeito do poder público com seus cidadãos.

UM DIA SEM RESPEITO
por Geoberto Espírito Santo

GES Consultoria, Engenharia e Serviços

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

2 Comentários em “UM DIA SEM RESPEITO

Márcia
23 de janeiro de 2024 em 16:33

Parabéns! Seu relato é uma realidade nos dias atuais, pois a falta de educação e o desconhecimento dos direitos de ir e vir assegurado a qualquer ser humano é uma situação desrespeitada em nosso meio.

Responder
Heyvi Rangel de Carvalho
24 de janeiro de 2024 em 00:20

Geoberto,
Infelizmente passo por tudo isso aqui no Rio de Janeiro. As pessoas não respeitam mais nada. Novos e idosos prepotentes Tb.
Deveria ter normas em cada local, alertando o respeito necessário ao direito dos outros.
Começar do zero mesmo.
Muito bom o seu comentário.
Abraços

Heyvi.

Responder

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *