09 / 03 / 24

NO CLIMA DOS APAGÕES

NO CLIMA DOS APAGÕES

Eventos climáticas extremos têm ocorrido com mais frequência no Brasil e o impacto dessas intempéries sobre a rede elétrica tem gerado muita insatisfação dos consumidores. Conforme dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em 2023 foram mapeados 1.161 eventos, um recorde de desastres climáticos no Brasil, somando-se os deslizamentos, inundações e secas. Impactos no setor elétrico mais recentes podem ser apontados como os ocorridos em outubro/novembro/23 em São Paulo e em janeiro/24 no Rio Grande do Sul, quando em ambos os casos, além dos consumidores, o Poder Executivo e outras autoridades locais se manifestaram contra a demora no restabelecimento do fornecimento de energia elétrica.

As reclamações maiores se iniciaram em novembro de 2023 na capital paulista, quando um temporal derrubou árvores que caíram e danificaram a rede elétrica, deixando sem energia elétrica mais de 4 milhões de pessoas. A distribuidora ENEL demorou 5 dias para restabelecer completamente o fornecimento de energia e essa demora gerou um pedido de cancelamento da concessão pelo prefeito de São Paulo e críticas do governo federal contra a privatização e da própria ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). No Rio Grande do Sul foi em janeiro último, quando mais de 1 milhão de pessoas ficaram sem energia elétrica após um temporal. O Diretor-Geral da ANEEL foi convidado pelo governador gaúcho para uma reunião com prefeitos, quando foi solicitada uma atuação mais decisiva nas demoras para o restabelecimento de energia após apagões.

Uma das soluções por eles apresentada foi a construção de redes subterrâneas, como se essas também não tivessem problemas com excesso de água. Seu custo de implantação chega a ser entre 6 e 8 vezes superior ao de uma rede aérea, investimento que deve ser remunerado e assim aumentar a tarifa de energia elétrica. Geralmente, essa solução só é economicamente viável quando existe uma grande concentração de carga e um planejamento integrado do local. Com ele, os custos são diluídos se, por um único duto, passarem também gasodutos para distribuição de gás, cabos telefônicos, de TV e de internet. No Brasil isso é quase impossível, pois a luta pelo poder entre governadores e prefeitos das capitais inviabilizam esse entendimento em favor da população.

Nos estados acima citados, a questão não era apenas fazer a religação. Em São Paulo, várias árvores caíram sobre as linhas, quebraram fios e postes e que, nesses casos, antes da religação, existe todo um trabalho de engenharia para colocar em pé uma rede nova. É necessário lembrar que a responsabilidade de poda e retirada de árvores que afetam a rede elétrica por elas destruídas, é do poder público municipal, das prefeituras, e não das concessionárias de energia. Nesse caso de árvores, quando o sistema está em funcionamento e qualquer vegetação está ameaçando encostar nos cabos, as concessionárias de energia elétrica só atuam com autorização do poder público municipal, haja vista as implicações com o meio ambiente.

Existe uma cultura no Brasil que é de esperar que uma rede elétrica, mesmo destruída com a queda de árvores, seja restabelecida em poucas horas, o que, certamente, não será possível. Quando os defeitos são decorrentes do sistema elétrico, os investimentos em automação da rede nas grandes cidades vêm avançando e os problemas citados nos leva a verificar e estudar a experiência internacional para o caso de eventos extremos. Nos Estados Unidos, por exemplo, um país em que 80% de sua rede elétrica é aérea, o tempo de reconstrução da rede para casos de eventos extremos varia de duas semanas a 18 dias. Grandes árvores no ambiente urbano das grandes cidades requisitam um manejo mais eficiente, razão pela qual em Nova York e Chicago estão optando por substitui-las plantando outras 3 com exemplares que alcancem até 3 metros de altura.

É claro que podem haver falhas na atuação das distribuidoras, cabendo à ANEEL a fiscalização sobre o que rezam os contratos de concessão no que se refere aos índices DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), DIC (Duração de Interrupção Individual por Unidade Consumidora), FIC (Frequência de Interrupção Individual por Unidade Consumidora), DMIC (Duração Máxima de Interrupção Contínua por Unidade Consumidora ou Ponto de Conexão) e DICRI (Duração Individual Ocorrida em Dia Crítico por Unidade Consumidora ou Ponto de Conexão) definidos por trimestre e anualmente.

Até dezembro de 2023, a ANEEL registrou 84.328 reclamações que foram feitas ao órgão sobre a qualidade do fornecimento de energia elétrica. Se fizermos uma comparação com 2022, esse número de reclamações representa um aumento de 40% e é o maior patamar registrado numa série histórica que começou a ser computado em 2014. Se formos observar o DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) de 2023 vemos que o Rio de Janeiro ficou quase 11 horas sem luz no ano, isso já expurgados os eventos extraordinários e as manutenções programadas. Agora imaginem os seguintes índices: Amazonas, com 40 horas; Maranhão, com 25; Piauí, com 24; e Goiás, com 23. Em Alagoas, em 2022, o DEC foi 18,75 para o limite permitido de 15,53. O FEC foi de 7,80 para um limite de 12,96. Parece que nos acomodamos com o ruim.

Esses índices devem ser fiscalizados se estão dentro dos critérios anuais da qualidade do serviço estabelecidos nos contratos de concessão, função da localização do consumidor (cidade ou meio rural), sua carga (volume e importância) e suas especificidades. Antigamente, esses índices apareciam nas contas de luz e o consumidor poderia solicitar à concessionária o que realmente aconteceu. Pela regulação atual não precisam aparecer, mas a concessionária é obrigada a, caso algum seja violado, calcular e fazer a compensação ao consumidor até 2 meses após apuração. Nesse caso, a fiscalização tem que ser rígida, ou pela própria ANEEL, ou pela Agência Reguladora local, o que nem sempre acontece. A ANEEL pode aplicar multas, outras sanções e, no extremo, cassar a concessão. Na semana passada, a ANEEL multou a ENEL em R$ 165,8 milhões pelas falhas no restabelecimento da energia elétrica em São Paulo. Posteriormente, a Agência anunciou que está avaliando fazer uma “intervenção regulatória”, uma ação para tornar as redes de distribuição e de transmissão mais resilientes a eventos climáticos extremos, e abriu uma Tomada de Subsídios para receber contribuições da sociedade sobre o tema.

Por  Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços                                                      

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

Um Comentário em “NO CLIMA DOS APAGÕES

Maria Olivia Espirito Santo
12 de março de 2024 em 08:51

Querido irmão
Excelente texto!
Venho acompanhando esse assunto na Revista Oeste.
No RJ, ficamos sem luz as vezes também por roubo de cabos telefônicos. Um abraço e bjs

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