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TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA

 

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA

O Banco Mundial mostra que a arrecadação de títulos soberanos verdes passou de US$ 41 bilhões, aproximadamente R$ 215 bilhões. Esses títulos são emitidos pelos países com o objetivo de arrecadar fundos para incentivar o uso de energia renovável ou para cumprir metas de redução de carbono na transição energética. Em aproximadamente 60% dos países de alta renda (EUA, Japão, Dinamarca…) existem instrumentos financeiros públicos endereçados à sustentabilidade. Nos países de renda média alta (Brasil, China, Peru…) esse percentual cai para 25% e para 10% em países de renda média baixa (Filipinas, Índia, Senegal…). Naqueles de renda baixa, como Etiópia, Nigéria e Haiti, não se fala nisso.

Visualizando os títulos verdes de dívida emitidos em 2021, maior parte pelo setor privado da Europa, atingiram US$ 621 bilhões ou R$ 3,25 trilhões. Para os “títulos sociais”, com a finalidade de comprar casas, financiar a agricultura, melhorar os serviços de saúde e acesso à água potável, foram levantados US$ 206 bilhões ou R$ 1 trilhão. Mas é preciso que fique bem claro que a emissão desses títulos de renda fixa não é caridade, são emitidos pelos governos ou por players do setor privado e estão expostos aos fatores de risco e sujeitos a taxas de retorno diferentes.

  A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, sigla em inglês), realizou um estudo sobre a importância de incluir as comunidades locais na transição energética e chegou à conclusão que elas são um poderoso acelerador. Além de gerar desenvolvimento socioeconômico local, a inclusão de comunidades nos projetos de energia limpa também permite uma maior autonomia na gestão dos recursos, tanto energéticos, como financeiros. Cita experiências que existem no mundo e uma condição crucial para a sua implantação são os ambientes políticos estáveis e não discriminatórios. Além do enfoque da transição energética justa, rumo a uma matriz mais limpa, os desafios envolvem também um mercado de trabalho e até mesmo a busca pela segurança.

E o que seria uma transição energética justa no Brasil? Justa do ponto de vista de quem? Da oferta ou de quem consome energia? Tudo começa nessa definição, que não existe consenso, ainda mais se formos compor com alguns elementos que estão comumente a ela associados. Na era dos 5G, alguns formuladores pregam que a transição energética no Brasil é composta por 5Ds: Descarbonização, Descentralização, Digitação, Desenho de mercado e Democratização.

Descarbonização se refere às mudanças climáticas, podem aumentar sua frequência e assim vai afetar com maior magnitude as camadas mais vulneráveis da sociedade. Certamente que a descarbonização das matrizes elétrica e energética é muito benéfica para o mundo em geral, principalmente para os mais ricos, mas há de se convir que leva perdas para grupos sociais, cidades e, talvez, até para regiões inteiras. Nesses primeiros anos, talvez décadas, painéis solares nas residências, carros elétricos, hidrogênio verde produzido com energia eólica offshore, não vai ser acessível para a população mais pobre. Portanto, apenas a descarbonização da matriz energética será insuficiente, mesmo que envolva outros Ds, como a descentralização e um maior grau de digitalização.

Descentralização com eólicas e solares para comunidades pequenas e distantes dos centros de carga, só com recursos do governo, nesse caso de nossos impostos. Historicamente, seus modos de vida estão atrelados a atividades baseadas em fontes fósseis, como é o caso da lenha, do carvão e do botijão de gás. É óbvio que vão encontrar inúmeras dificuldades de fazer uma acelerada adaptação para uma economia de baixo carbono. Para esse caso, serão necessárias alternativas produtivas associadas a fontes de energia de baixa emissão e que possam oferecer uma melhoria na renda e na qualidade de vida dessas populações.

Na digitalização, presente em quase todas as atividades econômicas e sociais, com tendência para a entrada exponencial de novas tecnologias de informação e comunicação, cada vez mais irá causar uma crescente dependência da energia no modo de vida das pessoas. E quem mais sofrerá com a tecnologia são os mais velhos e os mais pobres, que dificilmente poderão acompanhar essa expansão tão rápida e cara. Consequentemente, o fosso social vai ampliando as discrepâncias que existem em nossa sociedade, principalmente se uma grande parcela da população não tiver acesso à energia barata e de qualidade, condição fundamental para a melhoria da sua situação econômica e do seu padrão de vida.

No desenho de mercado, não podemos deixar de considerar que a desigualdade de acesso à energia está relacionada com a desigualdade socioeconômica, às vezes até pela discriminação étnico-racial, disparidade de gênero, quase sem renda e mobilidade social inexistente, fatores que determinam a falta de oportunidades de acesso às instâncias decisórias. Da solução faz parte a regulação, a capacitação, para fazer com que as comunidades passem a compreender questões técnicas, financeiras e políticas, e até comecem a desenvolver iniciativas com o próprio negócio.

Democratização agora é um nome que cabe em qualquer lugar, mas sempre muito distante daquilo que foi idealizado pelos filósofos gregos. Aqui, nesse caso da transição energética, por democratização definiu-se o acesso amplo e módico à energia, de forma inclusiva e participativa, dando maior prioridade à questão social no aproveitamento dos recursos energéticos. Nem mesmo com os parlamentares que elegem, essas comunidades participam dessas definições. Discurso afiado, palavras envolventes, propaganda milionária, mas quais são as ações, metas, recursos, como acompanhar resultados?

Portanto, uma transição energética para ser justa no Brasil, não pode ficar apenas sendo indutora de mudanças nas matrizes elétrica e energética, na direção de uma economia de baixo carbono. É preciso que sejam dadas proteções as camadas mais vulneráveis da sociedade, não só para ampliar o acesso desses grupos à energia, mas somente com educação, capacitação profissional e criação de oportunidades é que poderemos erradicar a pobreza e combater a gritante desigualdade existente nesse nosso país. (11/08/2022)

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA
Por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

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